Um oceano inteiro para nadar

Artes plásticas, música, teatro, músicas para todos os gostos, um ciclo de cinema documental - o Brasil contemporâneo vai inundar a Culturgest. Tudo começa a 2 de Maio, com uma exposição comissariada por Ruth Rosengarthen e Paulo Reis. Uma mostra com um título emblemático que pode resumir a coprodução entre a Comissão dos Descobrimentos e a Culturgest: "Um Oceano Inteiro para Nadar".

O entendimento deu-se ao primeiro avistamento: Joaquim Romero Magalhães, comissário-geral da Comissão Nacional para as Comemorações dos Descobrimentos Portugueses (CNCDP), numa conversa com António Pinto Ribeiro, programador da cultura da Culturgest, repetiu entre o jocoso e o sério que "estava farto de andar com os ossos do Cabral às costas". Pinto Ribeiro não entendeu como uma brincadeira e levou a sério a deixa do historiador."Entendemo-nos imediatamente" reconhecem os dois ao PÚBLICO. Romero Magalhães explica que, tendo a Culturgest um público jovem, tinham que dar a conhecer o Brasil e o Portugal modernos: "Nem Portugal é o chorrilho de anedotas que se contam sobre os padeiros nem o Brasil é a anedota que nos chega entra em casa todos os dias com as telenovelas." António Pinto Ribeiro, que nunca dera "muita atenção às coisas dos descobrimentos" tinha claro sobre qual era a actual paisagem no universo das artes: "O Brasil, ou melhor, os vários brasis, são incontornáveis na arte que se produz contemporânea e internacionalmente." E constata: "Essa realidade é muito pouco conhecida em Portugal para não dizer praticamente nula."Foi deste diálogo que nasceu Arte e Cultura do Brasil Contemporâneo, uma coprodução da CNCDP e da Culturgest. Uma operação no valor de 180 mil contos (divididos por ambas as instituições).O programa abre a 2 de Maio com uma grande exposição de 37 artistas plásticos portugueses e brasileiros - dez dos quais deslocar-se-ão na altura a Lisboa - num total de 120 peças. Intitulada "Um Oceano Inteiro para Nadar" nasceu, também, a partir de um "di@logo" por e-mail entre Ruth Rosengarthen, que responde pelos artistas de Portugal, e Paulo Reis, pelo Brasil. Os dois foram convidados para comissariar uma mostra em que, 500 anos depois de relações entre um país colonizado e outro colonizador, fosse assumido que "há situações de tensão, de conflito e de confronto entre técnicas, poéticas, linguagens manifestas" sublinha Pinto Ribeiro, "que resultam numa tensão particularmente criativa". Entre os cerca de 40 artistas encontram-se os portugueses Perdo Cabrita Reis, Eduardo Batarda, Joaquim Rodrigo, Ângela Ferreira, Helena Almeida ou Julião Sarmento e os brasileiros Nelson Leirner - consagrado na Bienal de Tóquio com a instalação "Terra à Vista (a la Missa)" -, Artur Barrio, Lygia Pape, Daniel Senise e Ângelo Venosa.No dia da inauguração, o nordestino António Nóbrega estreia na Europa o seu mais recente espectáculo "O Marco do Meio Dia". Natural do Recife, o etnomusicólogo - hoje um nome incontornável na música popular brasileira - traz a Lisboa um espectáculo eufórico onde cantará o Brasil dos 500 anos mas, também, sublinha o músico, o que começara já a existir antes daquele "trágico e misterioso 22 de Abril de 1500": uma mistura de géneros musicais que vão da congada ao cavalo-marinho (música e dança criada pelos escravos dos engenhos do açúcar) passando pelo forró ou pelos batuques do maracatu.A João Paulo Santos caberá levar ao Grande Auditório da Culturgest quatro espectáculos de música, o primeiro está agendado para 8 de Junho, em que serão interpretadas, muitas delas em primeira audição nacional, obras de compositores dos dois lados do oceano musical dos finais do século XIX: de Heitor Villa-Lobos a Lopes Graça.Um dos grandes acontecimentos, no ano em que se comemoram os 250 anos do nascimento de Bach, será a passagem da Camerata Brasil por Lisboa (17 de Junho) que traz a Portugal o seu trabalho - já mundialmente aclamado - "Bach no Brasil": uma mistura surpreendente e mágico entre o choro nordestino e os sons do genial compositor alemão.Com as primeiras e frescas brisas de Outubro chega a quente e sensual voz de Adriana Calcanhotto, que muitos portugueses descobriram na Expo-98. Considerada a herdeira da incomparável Elis Regina, a gaúcha cantará no seu espectáculo canções do álbum "Senhas" como "Eu gosto dos que têm fome/Dos que Morrem de vontade/dos que secam de desejo/dos que ardem..."Seca é o que muitos portugueses já chamam às telenovelas: sobre os seus irritantes clichés melodramáticos, a Cia dos Atores, de S. Paulo, traz "Melodrama", de Enrique Díaz, com a actriz Suzana Ribeiro em grande estilo - desempenha sete papéis. O texto é de Filipe Miguez e desanca no "destino inexorável" omnipresente das telenovelas, sejam ou não, controladas pelos telespectadores. O crítico brasileiro Aguinaldo Ribeiro da Cunha resumiu "Melodrama" em três palavras: "imperdível, engraçadíssimo, inteligente".A 10 de Novembro, o programa apresenta espectáculo expressamente concebido para Arte e Cultura do Brasil Contemporâneo: "Com Açúcar, com Afecto", com Cyro Baptista e Pedro Moreira. Se o primeiro é reconhecidamente um dos maiores percussionistas da actualidade, o segundo é já uma das grandes confirmações do jazz português.O programa inclui ainda - em complemento ao ciclo de Cinema Brasileiro a decorrer na Cinemateca Portuguesa - um conjunto de documentários de realizadores brasileiros. Esta programação ainda não foi anunciada, assim como os vários debates e workshops que ao longo do ano se realizarão.O que anuncia sim é que temos muito que nadar neste bravo oceano que vai agitar a Culturgest.

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