No princípio havia Jane Fonda

Muitas novas modalidades de exercício físico invadiram os ginásios portugueses ao longo do último ano. A moda do fitness - de alcançar uma boa forma física que não se traduz apenas em quilos regrados e centímetros controlados- tomou o país de assalto. O vocabulário do dia-a-dia de muitas pessoas passou a incluir expressões como Body Combat, RPM e Body Pump; ao mesmo tempo, foram redescobertas técnicas ancestrais para ficar em forma, como o Yoga e o Tai Chi Chuan. As coisas não vão ficar por aqui: mais e novos programas de fitness preparam-se para chegar em força na rentrée.

Por esta altura andam os ginásios a vazar de frequentadores. A maior parte dos seus frequentadores já andam a banhos. Quer dizer, andam já pelas praias a mostrar o físico batalhado e conquistado nos últimos sete ou oito meses. Andam satisfeitos da vida. Conseguiram aquilo por que tanto suaram: chegar ao Verão com um corpinho capaz de ser apresentado nas praias. Quando o tempo começar a esfriar e chegarem os dias das mesas fartas, muitos vão esquecer por uns tempos a rotina dos ginásios. Mas não todos. A classe dos "viciados nos ginásios" - gente que faça sol ou faça chuva põe a rotina desportiva no seu quotidiano, em nome do bem estar do corpo e da mente - cresce a olhos vistos de ano para ano. E a isso não é nada estranho o poderoso "aliciamento" que os ginásios fazem ao propôr a cada rentrée novas modalidades de exercício, com nomes sonantes e capazes de satisfazer todos os gostos e necessidades.O fenómeno tornou-se mais visível em Portugal no último ano a ano e meio, com a estreia nos ginásios portugueses de uma série de modalidades de nome anglo-saxónico ou já traduzido para um português abrasileirado. Nomes meio estranhos, ou mesmo alienígenas, para quem não frequenta ginásios. E, por isso, primeiro que tudo um pouco da sua história: a grande maioria destas novas modalidades de fitness têm em comum a mesma origem (ou pelo menos inspiram-se nela), a de um instituto neozelandês, chamado Les Mills, que desenvolveu e globalizou o fitness vendendo aulas pré-concebidas de um sistema de treino único para ginásios do mundo inteiro. Da Nova Zelândia estes programas deram o primeiro passo até à Austrália, daí para os Estados Unidos e a conquista dos continentes americano e europeu não se fez esperar."Não é que as actividades ginásticas não existissem. Elas já existiam, mas as técnicas de as consolidar e integrar em programas de treino, isso ainda estava por inventar. E essa é que foi a grande revolução dos últimos anos", explica Anabela Silva, instrutora de fitness num dos ginásios da cadeia internacional Holmes Place, com formação especializada no sistema desenvolvido pelo Les Mills. Com efeito, tudo começou há quase 20 anos com os vídeos de ginástica aeróbica da actriz Jane Fonda (o primeiro de uma longa série, "Jane Fonda's Workout", data de 1982) e o elogio do body building protagonizado pela imagem mais-do-que-em-forma de Arnold Schwarzenegger, que saltou do documentário "Pumping Iron" (1977) para a popularidade cinematográfica, com "Conan, o Bárbaro" (1982), numa mão cheia de anos.A América vive desde então sob o mote do fitness. E ficar em forma passou a ser um passatempo nacional. Os ginásios sobrelotaram, as praias encheram-se de gente aos pulos e aos saltinhos, as ruas e os parques transformaram-se em habitats naturais de uma nova espécie, os joggers. O derradeiro desafio: alcançar um "six-pack" invejável, não o das caixas de seis cervejas, mas o do desenho dos seis músculos abdominais numa barriguinha bem tonificada. "A América foi e continua a ser a meca do fitness", afirma Anabela Silva. Com efeito foi daí que se expandiram para o mundo conceitos como a ginástica aeróbica, o step, o stretch, o pumping, o jogging... e também todas estas novas modalidades que neste último ano chegaram a Portugal.De todas, a que esteve mais na moda na última "época desportiva" foi, sem dúvida, o Body Combat (a que os norte-americanos chamam Body Attack), um programa de treino que integra rotinas de exercício importadas de praticamente todas as artes marciais: do kick-boxing ao Tai Chi Chuan, passando pelo karaté e pelo boxe. "É uma aula de condicionamento geral, de resistência e de tonificação geral do corpo", informa Anabela Silva. Os seus praticantes são "guerreiros" que se desdobram em movimentos aparentemente de grande agressividade, mas em que tanta estamina só dá cabo mesmo das gorduras acumuladas. O Body Combat, à semelhança de outros programas de exercício aeróbico, visa a queima de gorduras (perdem-se em média 700 calorias numa sessão de uma hora) e a melhoria da boa forma cardio-vascular, mas também permite desenvolver a força muscular e a velocidade corporal, para além de favorecer a flexibilidade e a agilidade, a mobilidade das articulações, a coordenação motora e o equilíbrio.Nestas aulas já vai sendo fácil encontrar uma boa mão-cheia de homens entre os praticantes, que continuam a ser maioritariamente mulheres. "Aparecem entre oito a dez homens em grupos de umas 30 pessoas", esclarece Anabela Silva. E essa ainda escassa representação masculina num programa de treinos que, à partida, até se podia pensar estar mais calhado para a população masculina, explica-se por duas principais razões: "primeiro que nada há a questão de esta ser uma modalidade que requer muita coordenação de movimentos e os homens fogem um bocado disso por julgarem que é uma área que lhes é difícil de dominar. E depois há aquele probleminha de os homens serem um bocado resistentes a entrar num estúdio, sobretudo se vêem que lá dentro as pessoas andam a mexer-se de um lado para outro ao som de música", comenta Anabela Silva. Não é mais do que um receio injustificado: praticado a um nível médio ou médio alto, o Body Combat é tão ou mais exigente do que uma rotina de uma hora a hora e meia cumprida nas tradicionais máquinas cardiovasculares e nos aparelhos de pesos dos ginásios.Mais popular entre os homens é o Body Pump, disciplina de não-impacto que foi concebida para ser um treino completo através do uso de barras e pesos ao som da música. Após o aquecimento trabalham-se todos os maiores grupos musculares, com enfoque nas técnicas de correcto levantamento dos pesos, usando-se uma lógica de pesos leves e repetições numerosas, com o objectivo de conseguir um corpo bem tonificado ao fim de algumas semanas."É de facto possível desenhar o corpo em relativamente pouco tempo. As pessoas têm geralmente um bocado de medo dos pesos, mas o facto é que resulta. Há que saber trabalhar com as cargas para não forçar onde não há que forçar e trabalhar o que há para trabalhar", esclarece Anabela Silva.Tratando-se de um treino anaeróbico, o Body Pump encerra uma quase mágica característica: "durante o treino não se queimarão mais do que 400 ou 500 calorias, mas como este é um exercício em que o metabolismo fica acelerado nas cerca de 12 horas seguintes, continuamos a queimar mesmo depois de terminar" explica ainda Anabela Silva.Mas o grande "matador de calorias" é mesmo o RPM (Raw Power Motion ou Rotation Per Minute), uma modalidade de ciclismo estacionário "indoor" que é feito em grupo e coordenado por um instrutor, cujo objectivo é o de melhorar a capacidade aeróbica e a força anaeróbica. "É uma modalidade mais centrada nas pernas e no coração", explica Anabela Silva. O RPM é uma modalidade em que se pode treinar com diferentes níveis de exigência, aliás como em quase todos estes novos programas. "Quando não se consegue ir tão depressa vai-se mais devagar. Se a resistência está muito pesada, põe-se mais leve", esclarece Anabela Silva. São sessões em que se sua, em que se sofre e de onde se sai revigorado, deixando para trás uma boa média de 700 calorias gastas sobre o selim da bicicleta. Muito por isso é um treino que cativa igualmente homens e mulheres.Bem ao contrário, por exemplo, do LBT, disciplina de ginástica localizada no fortalecimento das coxas, abdominais e rabo. Este programa de treino recebe a designação de LBT (Legs, Buns and Tums) ou ABT (Abs, Buns and Tights) em inglês e de GAP (Glúteos, Abdominais e Pernas) em português e é, claro, extremamente popular entre as mulheres. "Todas as mulheres se preocupam com estas áreas. É inevitável...", refere Anabela Silva. Igualmente popular entre as mulheres são as aulas de Danças Brasileiras e de Danças Latinas, disciplinas de exercício aeróbico cujos principais objectivos são o treino cardiovascular e a queima de gordurinhas localizadas. Claúdio Silva, professor de educação física e brasileiro de origem, foi um dos primeiros instrutores destas modalidades nos ginásios Holmes Place. Desde o início confiou que seria um sucesso de adesão e não se enganou: é das aulas em que se encontra maior concentração de praticantes, independentemente da hora do dia para que esteja agendada. Com coreografias simples e músicas em que se canta "põe a mão na cintura", "põe a mão no bum-bum" e, claro, "movimentos sexy", Claúdio Silva defende que estas são aulas ideais para quem acha que não sabe dançar. Confirma-se: os alunos não são sambistas, isso percebe-se logo, mas a animação é tal que alguma falta de graça e controlo do bamboleio não tem assim tanta importância. "O espírito que procuro transportar para dentro do estúdio é o do trio eléctrico, do carnaval de rua em que toda a gente dança como sabe e como pode". Por isso se encontra uma população de praticantes muito eclética: "São pessoas muito diferentes entre si. Há gente de todas as idades, de várias profissões, de diferentes formas físicas. Cada um faz o que pode fazer. Se não consegue dar três passos dá só dois..."Fazer o que se pode e se é capaz de fazer é também um dos lemas maiores do Yoga (palavra hindu que significa união). Esta disciplina entrou pelos ginásios dentro no último ano a ano e meio, libertando-se da tradição de estar presente apenas em escolas ou associações especializadas. João Alvo, professor de Yoga, vê isto como um sinal dos tempos: "Este é o reconhecimento claro e geral de que para o bem-estar tem que haver algo mais do que o puro exercício físico. Não acredito que possamos dizer que esta é uma moda. Acredito mais que é uma tendência que agora começamos a observar, em que as pessoas pretendem conciliar o bem-estar físico e o bem-estar mental. E essa não é uma tendência passageira. É algo que está para ficar".Desenvolvido na Índia, o Yoga é uma disciplina física e psicológica cujas origens remontam a cinco mil anos atrás. Esta "doutrina" prevaleceu na tradição hindu, sendo passada oralmente de geração para geração, até que Patanjali reuniu todos esses conhecimentos e escreveu os Yoga Sutras, calcula-se que entre o século II a.c. e o século I d.c., dando aí as linhas bases da filosofia e das práticas do Yoga clássico. Muitos são os estilos em que desde então o Yoga se diversificou, recebendo aqui e ali um cunho mais personalizado da "escola" onde era praticado e desenvolvido. Actualmente a maior parte dos praticantes de Yoga no Ocidente centram-se sobretudo nas posturas físicas (a que se chama asanas), nos exercícios de respiração (pranayama) e na meditação (dharana)."É um treino que não faz selecção natural, em que não é importante fazer a postura completa, porque não estamos a competir com ninguém, nem mesmo connosco próprios. Procuro sempre transmitir a confiança de que cada um de nós tem o seu lugar e o seu ritmo. Não é por se ter 60 anos que não se pode fazer Yoga. Temos é que aprender a ser pacientes com o nosso corpo e ensiná-lo a fluir", esclarece João Alvo.Sustentado por esses mesmos princípios também o Tai Chi Chuan começou a ganhar adeptos entre os frequentadores dos ginásios. Os exercícios de Tai Chi, conforme são actualmente praticados no Ocidente, consistem numa forma de movimentos em que o Yoga e a meditação se combinam. Existe uma série de formas, ou conjuntos, que integram sequências de movimentos, muitos dos quais derivam das artes marciais e, mais ancestralmente, dos movimentos naturais dos animais terrestres e dos pássaros. Tudo é feito de forma lenta e graciosa e com suavíssimas transições entre os movimentos. Para muitos praticantes o objectivo é o de fazer exercícios meditativos para o corpo; mas para outros, os aspectos mais ligados ao combate são também muito apreciados.Na filosofia e na medicina tradicional chinesa o conceito de "chi" existe como sendo uma força vital que anima o corpo e um dos objectivos do Tai Chi Chuan (a tradução dos caracteres chineses lava-nos até à expressão suprema força fundamental) é justamente o de proporcionar a circulação desse "chi" dentro do corpo, segundo a convicção de que ao fazê-lo se aumenta a vitalidade e a saúde.Um outro objectivo do Tai Chi Chuan é o de proporcionar um estado mental calmo e tranquilo, focando-se na execução precisa dos exercícios. Treinar de forma a fazê-los correctamente abre caminho à aprendizagem de coisas como o sentido de equilíbrio, o alinhamento, o controlo motor, o ritmo do movimento e a génese do movimento no centro vital do corpo. E nessa medida, a prática do Tai Chi - sistema consolidado desde o século VI a.c. - pode contribuir para que se tenha melhor postura ou um andar mais correcto.Os princípios filosóficos que estão presentes tanto no Tai Chi Chuan como no Yoga - de se alcançar o bem-estar não apenas através do corpo mas também da mente - inspiraram inclusive a criação de novos programas de treino como o Body Balance (Body Flow entre os norte-americanos), que responde pela frase de marketing de ser "o novo Yoga". Consiste, segundo é descrito pelo instituto Les Mills, num programa de fitness holístico, feito ao som de música "para elevar o espírito" e em que, combinando as disciplinas tradicionais do Oriente com novas técnicas dinâmicas, se consegue reduzir o stress, aumentar a resistência, aliviar dores musculares e posturais, para lá de aumentar a flexibilidade e a consciência mental e física.Esta consciência corporal está presente igualmente nas aulas regidas pelo Método de Pilates. Esta técnica, não é nem ancestral - como o Yoga e o Tai Chi Chuan - nem extremamente recente - como o Body Balance. Foi inventada há cerca de 75 anos por Joseph H. Pilates, um alemão que durante a infância sofrera de asma, raquitismo e febre reumática e que, determinado a ultrapassar este fraco estado de saúde, dedicou a sua vida a tornar-se fisicamente mais forte. Foi lutador de boxe, artista de circo e treinador de defesa pessoal, depois de se ter mudado para Inglaterra, no início dos anos 30, e já em Nova Iorque abriu um estúdio onde ensinava o método que desenvolvera uma década antes. Centrando-se especialmente na flexibilidade e no fortalecimento da totalidade do corpo sem criar corpulência, este sistema (com cerca de 500 exercícios, divididos entre trabalho de solo e com aparelhos específicos) depressa se tornou popular entre os bailarinos: Martha Graham e George Balanchine foram dos seus primeiros adeptos e, hoje, não há companhia de dança que não integre nos seus programas de trabalho rotineiro algumas sessões de Pilates.Mais complexo do que as outras formas de exercício, este sistema - resultado de uma fusão de filosofias orientais e ocidentais - ensina a respirar e a movimentar, ensina a mecânica do corpo, o equilíbrio, a coordenação, a consciência espacial, e melhora a força e a flexibilidade dos praticantes. O repertório de exercícios mais popular actualmente em todo o mundo é o que é feito sobre um colchão de ginásio, mas não é raro encontrar nos estúdios especializados alguns dos aparelhos desenvolvidos por Joseph Pilates: coisas que respondem pelos nomes de "Cadillac", de "Pull up in", de "Cadeira Wunda" e, o mais popular de todos, o "Reformer", uma espécie de carrinho móvel que se acciona puxando e empurrando com os pés.Com tanta oferta para deixar o corpo e a mente em boa forma, a melhor aposta parece ser a de se praticar actividades combinadas, desenvolvendo-se um programa de exercício onde esteja presente treino de força, treino aeróbico e actividades de ginástica localizada. Fotografias: Dulce Fernandes

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