A anã castanha e a estrela

O que são as anãs castanhas: mini-estrelas falhadas ou planetas super-gigantes? Os cientistas simplesmente não sabem. Para começar, as anãs castanhas não abundam no Universo, razão por que a descoberta de uma, como aconteceu agora, pode trazer mais pistas sobre a formação das estrelas e dos planetas.

São tão raras no Universo que as anãs castanhas, descobertas pela primeira vez em 1995, andam apenas pelas 20. E as anãs castanhas em órbita de uma estrela são ainda muito mais raras, não completam sequer os dedos de uma mão: a descoberta da quarta foi anunciada ontem, pelo Observatório Europeu do Sul (ESO), e teve a participação do astrofísico português João Alves. "Desde 1995 até agora descobriram-se umas 20 anãs castanhas, mas poucas - quatro neste momento - em torno de uma estrela", sublinha ao PÚBLICO João Alves, que faz um pós-doutoramento no ESO, em Garching, Alemanha. Mas esta anã castanha é ainda mais especial. É a mais jovem das quatro. Os 12 milhões de anos fazem dela uma criança (uma das outras anda pelos 300 milhões e as duas restantes têm vários milhares de milhões de anos). "Está na infância", diz João Alves. "Isso é importante para perceber como se formam as anãs castanhas, e esta é de tão tenra idade." É também por ser jovem que se observa melhor, pois à medida que uma anã castanha envelhece, ao consumir o reservatório de energia, brilha menos e torna-se mais fria.A anã castanha em questão anda nas vizinhanças da Terra, a apenas 180 anos-luz. Fica, portanto, na nossa Galáxia, a Via Láctea, e na direcção da constelação da Hidra. "Está no nosso bairro em termos astronómicos", brinca o astrofísico. A anã castanha recebeu o nome TWA-5 B e a estrela sua companheira chama-se TWA-5 A. A anã leva 900 anos a completar uma volta em torno da estrela, sendo a distância entre ambas 100 vezes a da Terra ao Sol. Na imagem publicada, a anã, como a designação sugere, é o ponto minúsculo, e a estrela o ponto gigante.Chamam-se castanhas a estas anãs porque não emitem luz visível como as estrelas, o que emitem mais é radiação infravermelha. Foi através de sensores à radiação infravermelha - do Very Large Telescope (VLT), no Cerro Paranal, Chile, cujos quatro telescópios ópticos estarão todos a trabalhar no final do ano e o tornarão no maior do mundo - que este objecto foi identificado como uma anã castanha. De resto, esta imagem comporta outra novidade: obtida em Fevereiro é a mais nítida, até agora, do VLT. Mostra claramente a estrela e a anã castanha, 100 vezes mais ténue que a companheira e com uma massa algures entre 15 e 40 vezes a massa do planeta Júpiter.A grande incógnita das anãs castanhas prende-se com a sua natureza e origem. O que são estes objectos, que têm uma massa maior que um planeta mas menor que uma estrela? Em suma, qual é a sua origem e como se formam?João Alves, que integrou a equipa liderada por Ralph Neuhaeuser e Nuria Huelamo, do Instituto Max-Planck para a Física Extraterrestre, em Garching, deixa as incógnitas: "Não sabemos se as anãs castanhas são super-planetas ou mini-estrelas que não chegaram a ser estrelas. Enquanto um planeta se forma em torno de uma estrela, não se sabe onde se formam as anãs castanhas." Se forem pequenas estrelas falhadas é porque não atingiram a massa necessária, e assim a pressão e temperaturas suficientes, para desencadear a fusão do hidrogénio e a sua passagem a hélio. A fusão do hidrogénio é o que torna um objecto celeste numa estrela, uma verdadeira fornalha termonuclear. Tudo começa, aliás, numa nuvem escura de gás e poeiras, o berçário de estrelas e planetas. É assim nestas nuvens escuras que surgem tanto as estrelas, a partir de um disco de matéria aglomerada, como os planetas em órbita delas ou as anãs castanhas. Mas é também aqui que começam as dúvidas. "As anãs castanhas formam-se em torno de estrelas ou no meio da nuvem escura, como qualquer estrela? Se as anãs castanhas se formam como um planeta extra-solar em torno de uma estrela, é um processo diferente da formação de uma estrela. São super-planetas, que quase chegaram a ser estrelas mas não são. Ou será que são estrelas que não reuniram matéria suficiente para queimar hidrogénio e brilhar como uma estrela?", questiona-se João Alves.Pelo menos, a anã castanha agora descoberta, tal como as três anteriores, mostra que podem formar-se em torno de estrelas. E a discussão é tanto mais interessante por a descoberta do primeiro planeta extra-solar também só ter, tal como as anãs castanhas, cinco anos. O que veio confirmar que os planetas do nosso sistema solar não andam sozinhos no Universo e relançar os sonhos de que poderá haver por aí outras Terras e, quem sabe, outros seres vivos. O futuro de uma anã castanha não é lá muito espectacular, mas também nunca ninguém observou uma no fim da vida. O que pode especular-se é que vai arrefecer tanto até tornar-se escura (invisível). "Se no princípio do Universo se formou uma anã castanha, o Universo não é suficientemente velho para chegar ao fim de um processo de arrefecimento de uma anã castanha." Ao contrário das estrelas com muita massa, que rapidamente consomem tudo e morrem, as anãs castanhas são "como uma vela com chama pequena, são luzinhas que demoram tempo a queimar".

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