Passei os últimos dias a ler as cerca de 700 páginas da nova biografia de Elon Musk. Foi escrita por Walter Isaacson, um veterano biógrafo e também autor, entre outras, de uma extensa biografia sobre Steve Jobs. Os dois livros são, em muitos aspectos, semelhantes: uma narrativa detalhada de visionários que tentam mudar o mundo e que muitas vezes destroem quem os rodeia. Mas foram publicados em tempos muito diferentes: não olhamos hoje para a tecnologia e para os seus protagonistas com as mesmas lentes que usávamos em 2011.

Para o texto sobre o livro, conversei com Isaacson ao telefone. O resultado da leitura e da conversa está aqui. Nesta newsletter, deixo em discurso directo uma parte da entrevista.

Ao contrário do que acontecia quando publicou a sua biografia sobre Steve Jobs, estamos num tempo em que a sociedade está mais céptica em relação às tecnologias de informação e em relação aos empreendedores da tecnologia. Isso esteve presente enquanto escrevia o livro?
Neste livro, queria fazer mais do que falar apenas de tecnologia digital. Queria uma pessoa que tivesse construído um produto físico real, como o Musk fez. Nos EUA, compreendemos a importância de fabricar coisas grandes, como foguetões e carros. Quis focar-me na pessoa que nos trouxe os veículos eléctricos em grande número. Ele era a única pessoa a conceber foguetões. Lançou milhares de satélites. Tudo isto eram inovações incríveis.

 
           
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Percebe-se a razão para querer biografar Musk. Mas porquê fazê-lo em 2021 [ano em que Isaacson começou a seguir Musk e a trabalhar na biografia], quando ele provavelmente ainda tem muito tempo pela frente para fazer coisas?
Em 2021, quando comecei este livro, ele não só se tinha tornado na pessoa mais rica do mundo, como estava a trabalhar para um mundo mais sustentável e na exploração espacial. Achei que era altura de o tentar compreender. Tenho as histórias que também ajudarão a compreendê-lo no futuro.

No livro, não faz muita análise e mantém muitas vezes um tom distanciado. Foi uma escolha?
Foi uma escolha deliberada. Às vezes, nós, jornalistas, gastamos o nosso tempo a dizer às pessoas a nossa opinião, em vez de simplesmente lhes contarmos histórias. O Musk é muito controverso. Eu só quero que o leitor decida o que pensar dele. Acho que é importante: o leitor deve não apenas entender o Musk, mas também as suas próprias reacções a ele.

A parte sobre a Crimeia é surpreendente. Musk [que desliga os satélites sobre a região para evitar uma ofensiva ucraniana] tem muito poder. Em algum momento achou que ele estava fora de pé?
Achei que o Musk estava um pouco fora de pé e que isso era um problema. Um cidadão privado a tomar tantas decisões que tinham consequências para a guerra na Ucrânia… Ele acabou por vender os satélites da Starlink ao Governo americano. Provavelmente esse foi o desfecho certo. O Elon Musk não é o maior perito do mundo em todos os aspectos da política. É melhor que seja o Governo americano [a gerir estes processos]. Isto levanta uma questão maior: como é que ele tem tanto poder? Outras empresas viram os seus satélites atacados. Também o Governo americano e os militares não conseguiram fornecer [um sistema de Internet] ao exército ucraniano. Talvez devêssemos tirar a lição de que os nossos exércitos deviam ter construído isto.

O livro parece indicar muitas vezes que as más acções de Musk devem ser desculpadas por conta da sua ambição e do ele que é capaz de fazer. 
Ele é duro com as pessoas e às vezes é mal-educado e até cruel. Não acho que os seus feitos desculpem isso. Acho que se vê no livro tanto o lado iluminado como a escuridão. E como eles trabalham em conjunto. Não desculpo o mau comportamento das pessoas. Tento levar o leitor a compreender como ambas as partes da sua personalidade se juntam. Mas ir ao espaço… Isso são coisas grandiosas a que se pode aspirar. O livro não é um manual de como agir. É uma história que funciona como um aviso e pretende inspirar.