Elon Musk é um homem poderoso. 

Já nesta newsletter vimos os riscos de uma das redes sociais mais influentes do mundo – aquela que tem maior relevância política – estar nas mãos de um empresário com posições políticas ambíguas, enormes interesses de negócios em países como a China e financiamento vindo da Arábia Saudita. 

Mas há uma outra fonte do poder de Musk que tornou o empresário num tema muito presente nas considerações geopolíticas globais: a rede de satélites Starlink, operada pela empresa de foguetões SpaceX e que é capaz de fornecer Internet a uma boa parte do globo (incluindo quase toda a Europa; a Rússia e a China são as duas ausências mais notáveis). A Starlink tem forças armadas na lista de clientes (entre as quais as forças armadas dos EUA) e tem tido um papel crucial na guerra na Ucrânia.

Os primeiros satélites foram postos em órbita em 2019. Actualmente, a rede tem cerca de 4500 satélites, que funcionam a uma altitude muito inferior às dos satélites de comunicação convencionais. Esta não é a primeira nem a única rede de satélites do género, mas é a mais bem-sucedida, em boa parte graças aos foguetões reutilizáveis da SpaceX, que permitem lançar dezenas de satélites de uma só vez, reduzindo os custos de colocar os aparelhos em órbita, algo que foi historicamente um obstáculo para as empresas que tentaram criar este tipo de sistema.

Do ponto de vista de um utilizador comum, a Starlink funciona de forma simples: compra-se um aparelho receptor (uma espécie de antena do tamanho de uma pequena mesa de apoio), activa-se o serviço mediante uma subscrição mensal e a antena funciona como um ponto de ligação para telemóveis, computadores e outros dispositivos.

Com a Starlink, a Internet vem, literalmente, do céu – o que torna este sistema ideal para acesso em zonas remotas e com pouca infraestrutura. Também é um sistema descentralizado e que funciona com base em milhares de satélites; portanto, invulnerável a ataques militares convencionais. E permite aceder à Internet contornando os serviços (e a vigilância) de empresas nacionais e autoridades; útil, por exemplo, para um opositor político numa ditadura.

Nos últimos meses, vários artigos na imprensa americana têm vindo a dar conta de como a Starlink é assunto de conversa entre estrategas no Pentágono e os congéneres de outros países. 

Quando a invasão da Ucrânia começou, em Fevereiro do ano passado, o ministro ucraniano da Transformação Digital pediu ajuda a Musk (via Twitter) para manter a funcionar a Internet no país. O empresário respondeu prontamente, disponibilizando a Starlink no território ucraniano e enviando milhares de antenas receptoras. A velocidade a que o serviço foi disponibilizado foi impressionante: bastaram horas para ficar funcional e poucos dias para as antenas começarem a chegar ao destino. 

Desde então, as forças armadas da Ucrânia têm usado intensivamente a tecnologia, numa guerra conectada em que o reconhecimento aéreo e os ataques feitos com pequenos drones estão a ter um papel inédito nas operações no terreno. O resto da população também a usa, dado que a Rússia tem atacado infraestruturas civis ucranianas.

Porém, alguém tinha de pagar a conta. Em Setembro, a SpaceX pediu ao Pentágono para assumir uma maior fatia dos custos de manter o sistema activo na Ucrânia. 

É muito razoável que uma empresa privada não seja chamada a financiar custos de guerra noutros países. O que não é claro é se o pedido de pagamento foi uma decisão de negócio normal ou se teve alguma relação com um inesperado tweet publicado por essa altura, em que Musk esboçou um plano de paz que implicava cedências da Ucrânia à Rússia, incluindo a anexação da Crimeia.

Em todo o caso, pouco tempo depois, Musk terá desistido da pretensão de cobrar aos EUA e a Internet da Starlink continuava funcional, mesmo que, segundo escreveu então, isso fizesse a SpaceX perder dinheiro. Já no mês passado, tornou-se público que a empresa e o Pentágono assinaram um acordo para que os EUA comprem terminais para a Ucrânia e paguem o acesso; os detalhes não são conhecidos.

Se chegou até aqui a pensar que talvez seja demasiado poder nas mãos de um empresário conhecido por ser errático e sujeito a pouco escrutínio, o que se segue deixá-lo-á com certezas: em Fevereiro, Musk decidiu colocar restrições ao que os militares ucranianos podiam fazer com a Starlink. A rede, por exemplo, não pode ser usada para drones de longo alcance. Também não está disponível perto da Crimeia, limitando assim a conectividade das forças armadas ucranianas nessa zona e afectando directamente a estratégia militar.

E este é um dos elementos "mais século XXI" desta guerra. Não é o uso de pequenos drones comerciais ou de sofisticados drones militares; nem a propaganda nas redes sociais ou os vídeos que permitem seguir ofensivas em tempo quase real; e muito menos os ciberataques, que existem, mas, aparentemente, não têm tido o peso que inicialmente se julgou que teriam. Neste conflito na Europa, um magnata da tecnologia, que fez fortuna no tempo das dot-com, tem poder suficiente para condicionar a actuação de exércitos no campo de batalha.