Entre 1972 e 1981 povoava como uma espectadora da sua vida os home movies do marido. Até que a mulher de imagem "lisa" começou a vingar a sua gente: Os Anos Super 8. Entrevista com Annie Ernaux, Nobel da Literatura. Mas aqui está a escritora e a câmara de filmar.

Ouvimos o som da sua voz. É frágil e simultaneamente frondosa como a voz da escrita. Ouvimo-la agora em conversa, ouvimo-la agora em Os Anos Super 8, o filme de que é co-autora, juntamente com o filho David Ernaux-Briot, a partir dos home-movies filmados com a Super 8 de Philippe Ernaux, o marido. Tento desaparecido em 2009, devido a um cancro do pulmão, Philippe é o terceiro dos co-autores, uma vez que foi ele que imaginou a família com os cenários, os móveis e o papel de parede: a câmara de filmar, em que a mulher não tocava com medo de algo estragar, faz figura de instrumento de propaganda das aspirações do mundo burguês dos anos 70, em que era o objecto de desejo por excelência; mais do que TV a cores. Por isso são mais importantes nos home movies dos Ernaux — nos home movies tout court — aquilo que se esconde entre as imagens, aquilo que a Super 8 não filmou.

É esse o trabalho da voz de Annie Ernaux, e com ela estamos no centro do vulcão: violentar as imagens, revelar através da palavra o que ficou disfarçado nelas, o ponto de vista que, em construção, se escondera na posição de espectador da história dos outros. A conversa está aqui... e aqui o ensaio de Maria do Carmo Piçarra sobre a mulher, a casa e o mundo.

 

 

A estreia de Avatar: O Caminho da Água é um acontecimento à volta do tempo no cinema. James Cameron burilou esta sequela do blockbuster de 2009 durante 13 anos, ausentando-se de quaisquer outros projectos de ficção, e produziu um filme com 192 minutos de duração que já é um dos mais caros de sempre. Ainda há tempo para James Cameron?, indaga Joana Amaral Cardoso.

A ela se junta Jorge Mourinha: a proeza técnica de Avatar: O Caminho da Água, segundo ele, é extraordinária, sim, mas esta visita guiada aos mares de Pandora tem mais de especial da National Geographic...

 

Álvaro Vasconcelos, 78 anos, fundador do Instituto de Estudos Estratégicos e Internacionais de Lisboa (IEEI), que dirige, antigo conselheiro especial de Defesa e Relações Internas para o governo português, escreveu Memórias em Tempo de Amnésia. Uma campa em África (edições Afrontamento). São as suas memórias do colonialismo português na Beira, em Moçambique: racismo, violência contra as mulheres, trabalho forçado contrastam com a visão lusotropical.

"Em Portugal o racismo sustenta-se numa narrativa colonial, completamente falsa, do luso-tropicalismo. Não é nova. Se olharmos para os monumentos de Lisboa, por exemplo, no Padrão dos Descobrimentos, à frente está o Infante D. Henrique, o primeiro comerciante de escravos. Uma das condecorações mais importantes da república portuguesa é a ordem do Infante D. Henrique. Por todo o lado é celebrado. Aliás, quando isso é posto em causa em Portugal a reacção é brutal e não só daqueles que votam Chega. Uma parte larga da sociedade portuguesa nega que o colonialismo português tenha sido um crime contra a humanidade, uma forma de apartheid semelhante ao sul-africano, com a diferença de que na África do Sul era lei e um estado poderoso que cobria todos os cantos - em Moçambique era fundamentalmente nas zonas costeiras porque o colonialismo português deixava muitas zonas do interior sem serem cobertas".

Leia aqui a entrevista a Joana Gorjão Henriques

 

Ian McEwan regressou. Lições é o regresso triunfal do romance, segundo Helena Vasconcelos.

Little Simz continua poderosa e inescapável. Diz Mário Lopes que mesmo se não sabemos que lugar ocupará No Thank You na sua discografia, certo é que ouvimos um manifesto poderoso, afirmação artística consequente de alguém com uma visão clara do lugar que quer ocupar no mundo e do que deve ser a sua música

 

Fica aqui já uma proposta para dia 22: Os Fabelmans, de Steven Spielberg. É o filme em que o cineasta, mais claramente do que alguma vez o fez, expõe uma relação com o cinema, quer como espectador, quer como praticante. Perfil do artista enquanto jovem e retrato de um filme "velho", que vem de outro tempo.