Para responder à sua pergunta, Nanni (a pergunta que faz este título), e que nos foi sublinhada palavra a palavra a semana passada nos seus escritórios em Roma, eu responderia: não só tem direito, como Três Andares representa, como há 20 anos O Quarto do Filho, uma inflexão na sua obra. Como tal, é um filme essencial.

É a primeira vez que trabalha a partir de material alheio, um romance do escritor israelita Eskhol Nevo. É o seu primeiro filme coral, sem protagonistas. Tem sido essa uma das questões, que espaço sobra para o outro ou como filmar o outro?, a povoar o cinema de Nanni Moretti. Mesmo que os filmes não o perguntassem directamente, a questão fazia-se ouvir como eco. Quer quando Michele Apicella, o seu duplo, devorava a relação com o espectador. Quer quando, a partir da “revolução” chamada Querido Diário (1993), tirou o tapete a Michele e, mesmo que ainda e sempre no centro, se expôs com renascida vulnerabilidade. Ou ainda, last but not the least, quando a auto-ficção deu lugar ao melodrama, a resposta idiossincrática vestiu-se de normalização, recorreu à convenção: a outra “revolução” na sua obra, O Quarto do Filho (Palma de Ouro em Cannes 2001).

Vinte anos depois Nanni responde directamente à questão com Três Andares/ Tre Pianni. São três histórias que eram independentes no original. Moretti e a sua equipa de argumentistas trataram de as cruzar, apoiando-se numa coreografia em que o movimento é sempre mais fantasmático do que naturalista, como o “jogo” dos actores, e numa montagem que experimenta, é essa a palavra, até aos limites da austeridade, da contenção.

"Digamos que esta história exigia um estilo sóbrio, essencial. E queria a simplicidade. Não como ponto de partida — queria simplicidade, não banalidade. A simplicidade como ponto de chegada, ao fim de um percurso em que se retira, se retira... Por exemplo fico muito contente quando alguém, a propósito deste filme, fala de alguns livros de Natalia Ginzburg, escritora que amo. O seu estilo não é cheio de si, não se autocompraz, não quer mostrar ao leitor “ah, como sou boa”. Não, é um estilo muito enxuto, seco, essencial. Gosto quando falam de Natalia Ginzburg [As Pequenas Virtudes foi editado em Portugal] a propósito do meu filme." Entrevista aqui...

 

O leitor nunca ouviu falar de Tomotaka Tasaka, Kozaburo Yoshimura e Tomu Uchida? Encontre conforto na ideia de que quase ninguém ouviu. É por isso singular aposta de distribuição nos ecrãs portugueses: puxar o fio à meada do cinema japonês, uma das histórias mais complexas e misteriosas do cinema mundial do século XX.

São três “mestres desconhecidos”, três homens de longa carreira nos estúdios japoneses, que nunca, em vida, conheceram qualquer “internacionalização” e praticamente nem depois da morte. Luís Miguel Oliveira descobre-os, porque há ainda uma vida oculta do cinema japonês, e diz-nos o que nos espera em Cada um a sua Cova, O Menino da Ama e Mulheres de Ginza. São dos anos 50 mas são, gloriosamente, filmes de hoje.

 

 

"The world is so fucked up, Abba had to come back"... lia-se num cartaz, algures nessa Europa, numa manifestação, há semanas. É hoje o dia: o regresso dos Abba, Voyage.

Regresso e despedida, simultaneamente. Os Abba de Björn Ulvaeus, Benny Andersson, Agnetha Fältskog e Anni-Frid Lyngstad, preparam-se para regressar aos discos e aos palcos (há uma Abba Arena montada no Queen Elizabeth Olympic Park, em Londres, para os receber enquanto jovens avatares, a partir de 27 de Maio de 2022). Estão a ser recebidos, aguardados, tratados, 38 anos depois da separação, em 1983, como incontestável realeza pop, como artífices inigualáveis da canção. O nosso Mário Lopes rendeu-se: vejam-se só, 3 estrelas a Voyage... Que ousadia...

Se bem se recordam, nos anos 1970 eles eram o “inimigo” a abater. Hoje são considerados artífices da canção. O que se passou entretanto? Tozé Brito, Pedro Penim (um fã) e Joakim Haugland dizem-nos das suas razões.

 

"Um prazer de múltiplas descobertas", segundo Nuno Pacheco, é Meu Coco, um herdeiro à altura do génio de Caetano Veloso, cuja arte se vem refinando com o tempo. É nova obra-prima.

 

 

Vítor Belanciano propõe música para ouvir a sós: Shade, de Grouper. "Quis o acaso", conta ele, "que ouvíssemos, pela primeira vez, Shade, o novo álbum de Liz Harris, ou seja Grouper, numa viagem de comboio. Como a maior parte dos restantes registos da compositora-cantora americana é uma daquelas obras que nos submerge, com invisíveis partículas acústicas ou ruídos abstractos parecendo flutuar, ao mesmo tempo que a reverberação e a voz nos transportam no tempo e no espaço, no que parece constituir um convite em aberto para que cada um se projecte na música".

 

Para ler, no comboio ou noutro sítio, a entrevista de Isabel Lucas a Valter Hugo Mãe. Em cima da mesa está As Doenças do Brasil, o "mais ousado e ambicioso romance do escritor, que nunca como aqui foi tão longe na sua aventura literária".