Mosaico em diferentes tons de verde

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Digam-me para escolher o meu jardim favorito no Porto e, correndo o risco de me arrepender no minuto seguinte, digo-vos que não é apenas um, mas os jardins do Palácio de Cristal. E chamo-lhe (chamamos-lhe) os jardins porque a área verde que rodeia o Pavilhão Rosa Mota tem vários rostos e disposições. Há espaços para contemplar, para ser melancólico, para se divertir ou para ter uma bela conversa. Também são bons para namorar, mas aí é preciso ter cuidado, porque nunca se sabe se alguém não o vai interromper, dizendo-lhe que beijos e abraços não são para ali chamados.

Os jardins do Palácio de Cristal são resistentes. Desde logo porque o Palácio de Cristal, para o qual foram concebidos, em meados do século XIX, já não existe. O edifício, em ferro e vidro, foi demolido em 1951 para dar lugar ao Pavilhão dos Desportos (hoje, o Pavilhão Rosa Mota, um edifício a lembrar um disco voador criado em 1952 pelo arquitecto José Carlos Loureiro). Mas os jardins românticos idealizados pelo arquitecto paisagista alemão Émile David sobreviveram em grande parte. Por isso, quando se cruzam os enormes portões de acesso ao palácio (todos continuam a tratar o local por Palácio de Cristal, que no Porto as pessoas não desistem facilmente dos nomes familiares, mesmo quando, aparentemente, eles já não têm razão de ser), entra-se no jardim de canteiros moldados, estátuas e fontes como David o pensou. 

A avenida das tílias, onde apetece passear devagarinho, sem pressa de chegar ao fim, também lá está, e os miradouros sobre o rio Douro podem fazer parte de uma caça ao tesouro, em que o prémio é descobrir a melhor vista da cidade. Nos jardins do Palácio de Cristal, há flores e arbustos, árvores de portes variados, estátuas e fontes, patos desengonçados e pavões que arrastam as suas longas caudas, indiferentes às criaturas desengraçadas que somos nós, e que tanto podemos estar sentados num banco de pedra ou a tomar café na esplanada junto ao lago. 

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Os jardins, já disse, são uns resistentes e também centro de lutas e ironias no dia-a-dia que é a história da cidade. Por lá já andou uma espécie de feira popular e, nas últimas eleições autárquicas, havia quem defendesse que um parque de diversões podia perfeitamente voltar a ocupar parte dos terrenos. A cidade, provavelmente, não iria reagir bem. Como também não reagiu bem (ou, pelo menos, parte dela) quando o anterior executivo camarário propôs transformar o pavilhão num centro de congressos, o que implicaria a construção de novos edifícios, cuja instalação estava inicialmente prevista para a área onde está o lago. Abaixo-assinados e protestos depois, o projecto foi alterado, mas a falta de dinheiro impediu o avanço da proposta e tudo ficou na mesma. 

Isto não quer dizer que os jardins sejam imutáveis ou intocáveis. Há muita coisa a acontecer naquela grande área verde. Foi lá que se instalou a Biblioteca Municipal Almeida Garrett, discreta no seu recanto, quase invisível a quem primeiro entra no recinto. Ao longo dos anos, já fui ao Palácio para ir à Feira do Livro, para assistir a espectáculos de teatro ou a concertos. Volta e meia, há divertimento para as crianças e actividades relacionadas com a natureza. Do que tenho mais inveja é de quem vai lá muitas vezes só por ir. Para dar uma volta, para se estender debaixo de uma árvore com um bom livro. Para ser esquecido, durante umas horas, pelo resto da cidade. 

E, aqui, volto ao princípio para explicar a história de ser preciso ter cuidado se aproveitar o passeio para namorar. É que, no ano 2000, a Câmara do Porto, então liderada por Nuno Cardoso, estabeleceu que era proibido namorar nos jardins do Palácio de Cristal. A razão, adiantou a então vereadora Manuela de Melo, foi o elevado número de queixas apresentado por idosos que frequentavam os jardins e se sentiam melindrados com o entusiasmo amoroso de alguns pares. Que eu saiba, a disposição camarária foi sempre condignamente ignorada. E, agora que penso nisso, fiquei na dúvida: será que ainda está em vigor?

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