Os últimos dias de Kobani

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Curdos turcos contemplam os últimos dias da pequena e estratégica cidade síria de Kobani, de maioria curda. Ela está debaixo dos seus olhos, a um quilómetro, do outro lado da fronteira com a Síria. Um milhar de milicianos curdos sírios, das Unidades de Protecção do Povo (YGP), resiste aos jihadistas do Estado Islâmico (EI) que atacam a cidade desde a noite de 3 de Outubro. Quase todos os civis fugiram para a Turquia. Ficaram “os velhos e os doentes”. Há centenas de mortos.>

É uma tragédia que se desenha, não às escuras, mas à luz do dia, sob o olhar de testemunhas. Nas colinas do lado turco, jornalistas e fotógrafos dos media internacionais assistem de perto. Podem ver e fotografar as sinistras bandeiras negras do EI, que prenunciam um massacre.

Como num forte assediado, os combatentes do YGP esperaram socorro do exterior. Hoje desesperam. “Não nos podemos defender sozinhos”, diz por telefone a um jornalista ocidental Anwar Muslim, presidente de Kobani. “Só nos podemos defender até um certo ponto. Apenas os bombardeamentos americanos nos aliviam.” Na quinta-feira ainda resistiam.

“Não queremos que Kobani caia”, disse um porta-voz da Casa Branca. “Mas a nossa capacidade de impedir a queda da cidade é limitada pelo facto de os ataques aéreos não poderem fazer muito.”

As acusações dos curdos dirigem-se sobretudo contra Ancara. Estava fora de causa uma intervenção directa da Turquia em território sírio. Mas Ancara impediu o envio de reforços curdos e o fornecimento de armas — de armas pesadas e granadas antitanque.

O Governo e os militares turcos não se limitam a selar a fronteira. Consideram que a ameaça curda é, a prazo, mais grave do que a da bandeira negra do EI. Por isso parecem aguardar a derrota dos curdos em Kobani. Para mais, os curdos sírios do YGP são aliados do Partido dos Trabalhadores do Curdistão (PKK), que, durante anos, fez uma campanha terrorista contra a Turquia. Hoje, vigora um cessar-fogo e há negociações com o PKK. Mas Ancara não quer mais autonomias curdas à sua porta. De resto, para o Presidente Tayyip Erdogan, o “inimigo principal” na Síria não é o EI mas o regime de Assad.

Erdogan pode ter montado uma armadilha contra si mesmo. Kobani está a provocar na Turquia a radicalização de jovens curdos que parecem já não obedecer aos seus partidos, incluindo o PKK. A “guerra síria” já se trava dentro de Istambul, onde jovens curdos desafiam a polícia. A realpolitik turca pode vir a explodir dentro das suas cidades. Kobani tornou-se um símbolo. Um símbolo mais poderoso, e mais insuportável, à medida que os dias passam, a cidade resiste e o massacre dos últimos combatentes se aproxima. O EI exibi-lo-á nos seus vídeos.     

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Na quarta-feira, no Sueste da Turquia, junto da fronteira síria, curdos turcos continuavam de olhos postos em Kobani ARIS MESSINIS/AFP

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