Os rebuçados malcriados

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Quando contam pelos dedos da mão, os coreanos viram o punho para o chão e apontam, um a um, os dedos para baixo, do polegar ao mindinho: 1, 2, 3, 4, 5... No Ocidente, fazemos de várias formas. Há quem comece pelo dedo mais pequeno, pelo maior ou até pelo do meio, como aprendemos com o Sacanas Sem Lei, de Tarantino. Mas, variações e estilos à parte, contamos sempre com a mão virada para o tecto.

Este é apenas um exemplo das diferenças culturais que um português identifica, mal chega à Coreia do Sul. Mas a lista é longa. As escolas começam em Março, é esquisito elogiar ou encorajar, a vénia é o cumprimento entre todos, a seguir ao dia de trabalho os chefes informam as suas equipas de que “hoje jantamos juntos” e ninguém tem coragem de dizer que não, um quarto dos coreanos tem o apelido Kim e outros dois quartos são Lee e Park, nos menus dos restaurantes e até nas máquinas automáticas nas ruas há a opção “qualquer coisa”, tudo é entregue em casa, até um hambúrguer do McDonalds, 4 é o número do azar e significa morte, se o pisarem no elevador não conte com um pedido de desculpa — é tão óbvio que foi sem intenção que seria redundante verbalizar. A Coreia é outro mundo. Um mundo onde precisamos de um tradutor sempre à mão e não apenas para a língua. Um mundo onde se pensa a 50 anos e onde a Samsung — que está em nono lugar tanto na lista subjectiva das “melhores” marcas do mundo como no ranking objectivo das empresas mais valiosas do mundo — é considerada pelo Governo uma marca que tem de se reinventar porque “apenas” copia e não cria nada de verdadeiramente novo. Na Coreia, ficamos sem tapete a cada passo.

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O treinador da Coreia do Sul consola Son Heung-min no fim do jogo com a Bélgica, na semana passada EDDIE KEOGH/REUTERS

O choro de Son Heung-min, nesta fotografia, no fim da derrota com a Bélgica no Mundial do Brasil, não é surpresa. Somos avisados à chegada. Os coreanos choram muito em público, “é normal”. Também foi normal a recepção da equipa em Seul: enquanto posavam para a fotografia formal de chegada, fãs furiosos atiraram-lhes para a cara dezenas de yeot, os rebuçados tradicionais que, aí vem o tradutor de novo, são sinónimo de um palavrão de péssimo gosto. Seria a f-word dos americanos. “Comam yeot!” gritaram. Não há tradução, mas o vídeo, um enigma cultural, apanha-se bem no YouTube.

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