A banalização das tragédias de África
O enigma não é a barbárie, mas a indiferença. No dia 14 de Abril, foram raptadas numa escola de Chibok, Nordeste da Nigéria, mais de 200 raparigas (talvez 276), entre os 12 e os 17 anos. Foi um rapto maciço, sem precedentes, levado a cabo por uma seita islamista, Boko Haram — à letra, “a educação ocidental é pecado”. Lançada numa deriva sanguinária, matou mais de 1500 pessoas desde o início do ano.
A indiferença demorou três semanas. O rapto foi noticiado, tal como as manifestações de mulheres na Nigéria. Mas foram notícias discretas, sem comparação com as do avião malaio ou do ferry sul-coreano. Não era um acidente, mas um “crime contra a Humanidade”. As tragédias de África foram banalizadas. E se as jovens fossem brancas?
A indiferença começou no poder nigeriano. O Presidente Goodluck Jonathan demorou duas semanas até falar no crime e declarar a impotência do exército para salvar as jovens. Indignavam-se as famílias: como não localizar mais de 200 pessoas na era do Google maps e dos satélites? Os anciãos de Chibok preveniam que as adolescentes estariam a ser levadas para o Chade ou para os Camarões a fim de serem vendidas. “Antes mortas do que vivas nesta condição”, disse uma mãe ao jornal nigeriano Sun, The Voice of the Nation.
Comunidades nigerianas de Nova Iorque ou Londres exigiram uma acção internacional. A indignação ocidental só explodiu na segunda-feira, quando a AFP difundiu um vídeo do chefe da Boko Haram, Abubakar Shekau, anunciando que iria “vender no mercado” as adolescentes reduzidas à condição de escravas. “Escravas sexuais”? A CNN passou a liderar a campanha. Washington enviou uma equipa de especialistas para a Nigéria.
O exército nigeriano, incompetente e corrupto, tem sido sucessivamente desafiado pelo Boko Haram. Este opõe-se, em nome da sharia (lei islâmica), à educação das raparigas. Diz querer proclamar um “estado islâmico” no Norte do país. Foi denunciado pela mais alta autoridade religiosa sunita, o Al Azhar, do Cairo. O facto de as jovens de Chibok serem cristãs não significa que se trate de uma guerra religiosa. A grande maioria das vítimas são “maus muçulmanos”, suspeitos de violar a sharia ou de informar o exército.
Boko Haram está em guerra com o exército e o rapto terá visado humilhar Goodluck Jonathan, forçado a reconhecer a sua impotência. Boko Haram foi outrora uma seita fundamentalista que enveredou pelo terrorismo e pelo banditismo após a execução extrajudicial do seu fundador em 2009. É um produto do caos nigeriano.
Dias antes do rapto, Johnson proclamou o “brilho” da Nigéria, a primeira economia africana depois de ultrapassar a África do Sul. O brilho apagou-se. Fica o horror.