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Adeus: Vicente Fraga mergulhou fundo na Galiza rural para salvá-la do esquecimento

O galego fotografa, há três anos, as aldeias do interior despovoado da região espanhola. Adeus é uma homenagem à cultura de quem ainda resiste ao isolamento. "Há muito que contar. É urgente fazê-lo.”

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Numa pequena aldeia rural da província de Pontevedra, na Galiza, não muito longe do centro urbano, o fotógrafo e arquitecto Vicente Fraga cresceu feliz, em contacto com a natureza e com as tradições locais. A Galiza de há 40 anos, observa, “era outro mundo, outro rural, outra coisa”, muito diferente da de hoje. “Tudo mudou muito, muito”, conta ao P3, a partir do seu estúdio, em Pontevedra.

Em 2021, ano ainda marcado pela pandemia, Vicente embarcou numa viagem à Galiza profunda, onde permanecem apenas os vestígios do mundo em que outrora viveu. O projecto Adeus, que se mantém em desenvolvimento, “fala do desaparecimento desse mundo” rural, “do fim de uma cultura que contém a memória e os valores” em que foi educado. “Fala do desaparecimento do caminho que os nossos antepassados percorreram para chegarmos até aqui.”

A Galiza é, hoje, à semelhança do que acontece também no norte de Portugal, um território fortemente marcado pelo êxodo rural. O fenómeno não é recente. Vicente Fraga explica que a história da Galiza está, desde há mais de um século, associada à emigração e à migração. “Nas décadas de 1920 e 30, os galegos cruzavam o Oceano Atlântico e tentavam a sua sorte em países da América; nas décadas de 60, 70 e 80, a emigração passou a ter como destino outros países europeus.” Os que escolhiam não emigrar, viravam-se para os centros urbanos de Espanha ou das cidades que, entretanto, ganhavam dimensão dentro da própria região autónoma.

Vicente concentra, em Adeus, a sua atenção em quem ficou, àqueles que ainda resistem ao esquecimento e ao abandono institucional da ruralidade da Galiza, que os relega à franja da sociedade espanhola. O fosso entre as “grandes” cidades galegas – Vigo, Pontevedra, Santiago de Compostela, A Corunha e Lugo – e o resto do território galego é marcada por menor densidade populacional, pela menor esperança média de vida e por uma taxa de mortalidade mais elevada.

“A minha ideia é percorrer as quatro províncias que formam a comunidade galega, mas apenas as zonas do interior, aqueles que ainda conservam um modo de vida tradicional.” Nos lugares que visita, Vicente procura, “com educação e respeito”, “descobrir, escutar e compreender” os lugares, as pessoas e as suas histórias. “Interessa-me a paisagem, o contexto que condiciona a vida das pessoas e gosto de ouvi-las. É muito importante conhecê-las e isso só se pode fazer com empatia, fazendo com que sintam que existe uma intenção real de compreender as suas histórias.”

As fotografias de Fraga denunciam essa proximidade. Nelas imperam o silêncio e a intimidade. Há algo de cru e terno nos olhares e nos gestos dos galegos, novos e velhos, que retratou; há também algo de ancestral nas naturezas mortas que fotografou no interior das casas de aldeia e nas naturezas bravias da orografia galega, que não deixam esquecer a impiedade de um clima húmido, marcado por ventos atlânticos e assimetrias térmicas pronunciadas que condicionam a vida e que deixam marcas na pele e nos corpos de quem lá vive.

Os crucifixos que abundam e remetem para o catolicismo arreigado dos habitantes, os retratos de família antigos, a preto-e-branco, que aludem para as longas linhagens das famílias locais, são ingredientes que ajudam a formar o retrato cultural das regiões que percorreu. Ali vivem pessoas que são associadas, nos grandes centros urbanos, à imagem de algo “primitivo”, observa o fotógrafo. “Não devemos sentir-nos tentados a abraçar esta ideia”, alerta. Não deve confundir-se a palavra “simples” com “simplório”. “Os habitantes das zonas rurais não são simplórios, em comparação com os que vivem nas cidades; eles encontram a felicidade de um outro modo, esse sim, mais simples.”

Ao desenvolver o projecto documental, Fraga sentiu que se aproximou do mundo que um dia foi o seu. “Confirmou a minha sensação de pertença e de proximidade com o território e aprofundou as minhas próprias memórias familiares”, escreve na longa sinopse de Adeus. “Percorrer os lugares e conectar-me com estas pessoas permite-me recriar o mundo perdido dos nossos avós, um mundo cheio de pequenos mundos. É uma forma de recuperar o passado do qual fazemos parte.”

A tendência para o despovoamento das regiões rurais da Galiza é crescente e não dá sinais de abrandamento. O envelhecimento das populações e a sua inevitável desaparição prenunciam um futuro negro para as aldeias da região. “Diante da situação que se verifica actualmente, a esperança é a chave para a construção de uma ponte sólida que favoreça o ressurgimento da vida rural sob uma nova perspectiva”, observa. Embora Adeus não seja um projecto de natureza política, sublinha Fraga, o galego não pode deixar de comentar que “algo não se está a fazer de forma correcta, uma vez que não existe interesse na protecção da cultura desses territórios”.

“Se existisse um interesse real por melhorar a situação, esse deveria começar por estabelecer diálogo com quem lá vive.” O trabalho de Vicente Fraga, sustentado nessas conversas, abre caminho para uma maior compreensão dos desafios que enfrentam essas populações e fornece um ponto de partida para uma discussão que considera necessária.

O seu trabalho não está fechado. “A curto prazo, tenciono continuar a percorrer a Galiza, ainda há muito que contar. É urgente fazê-lo.” No futuro espera que Adeus se converta num livro. “O projecto é uma homenagem às pessoas que sobrevivem [na ruralidade galega] e que formam parte desta cultura. Com as minhas fotografias tento fornecer um reflexo dessas vidas que possa ser contemplado hoje e pelas gerações seguintes, que poderão nunca chegar a conhecer o que é o rural ou o que ele significa para a nossa cultura.”

Bosque, em O Carballiño
Bosque, em O Carballiño ©Vicente Fraga
Casa, em O Carballiño
Casa, em O Carballiño ©Vicente Fraga
Uxia, de Os Ancares
Uxia, de Os Ancares ©Vicente Fraga
Cemitério em Terra de Lemos
Cemitério em Terra de Lemos ©Vicente Fraga
Enrique, em A Mariña
Enrique, em A Mariña ©Vicente Fraga
Em A Mariña
Em A Mariña ©Vicente Fraga
Aldeia abandonada o Ribeiro
Aldeia abandonada o Ribeiro ©Vicente Fraga
Enrique, em A Mariña
Enrique, em A Mariña ©Vicente Fraga
Jose, em A Ulloa
Jose, em A Ulloa ©Vicente Fraga
Jose, em Os Ancares
Jose, em Os Ancares ©Vicente Fraga
Olga, em A Mariña
Olga, em A Mariña ©Vicente Fraga
Capilla, em Os Ancares
Capilla, em Os Ancares ©Vicente Fraga
Hermosinda, em Ancares
Hermosinda, em Ancares ©Vicente Fraga
Casa de Pontevedra
Casa de Pontevedra ©Vicente Fraga
Casa abandonada em O Carballiño
Casa abandonada em O Carballiño ©Vicente Fraga
Josefa, em Pontevedra
Josefa, em Pontevedra ©Vicente Fraga
Alvaro, em Lugo
Alvaro, em Lugo ©Vicente Fraga
Manuel, em A Mariña
Manuel, em A Mariña ©Vicente Fraga
Casa abandonada, em A Mariña
Casa abandonada, em A Mariña ©Vicente Fraga
Estrada da Terra de Lemos
Estrada da Terra de Lemos ©Vicente Fraga