Primeiro centro interpretativo de arte rupestre vai nascer em Arganil

Apesar de posteriores aos painéis paleolíticos de Foz Côa, as cerca de 50 gravuras encontradas no centro do país darão origem ao primeiro centro interpretativo de arte rupestre que deverá ser inaugurado no Verão

Ao todo, foram identificadas na zona de Chãs d"Égua e Piódão, no concelho de Arganil, cerca de 50 rochas de xisto com inscrições de arte rupestre atribuíveis ao Neolítico final e à Idade do Bronze. Apesar de posteriores às pinturas rupestres paleolíticas de Foz Côa, a importância do santuário, que se poderá estender pelas encostas da serra do Açor, levou o Centro Nacional de Arte Rupestre (CNAR), em parceria com a Câmara Municipal de Arganil, a avançar com a construção do primeiro centro interpretativo de arte rupestre em Portugal, que deverá ser inaugurado no próximo Verão. A primeira descoberta de arte rupestre na zona do Piódão ocorreu há cerca de dois anos e meio, quando o antropólogo Paulo Ramalho começou a percorrer as florestas densas da serra do Açor, na zona de Arganil, em busca de "pedras riscadas pelos mouros" - a forma como a população da zona identificava as gravuras. Ao longo de meses, através de informações geográficas fornecidas por antigos pastores e almocreves, as descobertas sucederam-se. Uma após a outra, foram encontradas cerca de 50 gravuras em pedras de xisto, espalhadas ao longo das encostas da serra do Açor. "É um conjunto de arte rupestre de grande originalidade, com pormenores muito específicos e que, ainda por cima, se localiza no Centro do país, onde se conhecia pouca coisa de arte pré-histórica", referiu ontem António Martinho Baptista, director do CNAR, durante a visita guiada a algumas das formações de xisto "riscadas".
À distância, os riscos brancos que preenchem a superfície de algumas pedras na encosta da serra do Açor parecem ter sido cavados pela erosão. Contudo, à medida que nos aproximamos, os traços esculpidos vão-se tornando cada vez mais nítidos e com formas definidas. A maior parte das inscrições representa figuras geométricas, espirais, meandros e algumas figuras humanas bastante esquemáticas. Para António Martinho Baptista, a recorrência dos círculos neste conjunto poderá atribuir-se ao "valor absoluto e universal que ele representava, significando o eterno retorno entre o princípio e o fim da vida que estes homens, Homo sapiens sapiens tal como nós, já sentiam de uma forma muito intensa". Além disso, referiu o director do CNAR, são "marcas territoriais e vestígios simbólicos que podemos comparar às nossas placas actuais".

Arte pré-histórica ao ar livreAo contrário das pinturas rupestres do Vale do Côa, descobertas em 1995 e datadas no período Paleolítico, as de Arganil são atribuídas ao período do Neolítico e à Idade do Bronze. Contudo, apesar de possuir um conjunto de gravuras menos antigas, é em Arganil que vai situar-se o primeiro dos vários centros interpretativos de arte rupestre que o CNAR pretende criar um pouco por todo o país, um dos mais ricos em arte pré-histórica ao ar livre. Ontem, esta opção foi justificada por Mário Vale, vereador da Câmara de Arganil, e por António Martinho Baptista com "o voluntarismo das duas partes no processo e as condições de homogeneidade e de concentração dos painéis rupestres".
O centro interpretativo de arte rupestre vai reunir um conjunto de informações, textuais e fotográficas, produzidas pelo CNAR, que permitirão ao público contextualizar historicamente as manifestações artísticas. Para uma total fruição do espaço, o CNAR irá também definir trajectos interpretativos às zonas onde se encontram as gravuras rupestres.
Nos próximos meses, os arqueólogos do CNAR vão proceder a um levantamento exaustivo que poderá restringir ainda mais a definição cronológica das inscrições de Arganil. De qualquer modo, para os investigadores do CNAR parece claro, neste momento, que as gravuras representam uma transição de sociedades entre o Neolítico e a primeira Idade do Bronze. "Trata-se de um período em que desaparece quase por completo a arte naturalista a que estávamos habituados a ver na arte rupestre paleolítica, e em que aparece uma gramática figurativa muito mais abstracta e simbólica, que expressa a própria evolução das comunidades humanas, que atingiram neste período uma capacidade craniana e de abstracção semelhante à nossa", adiantou ao PÚBLICO António Martinho Baptista. No fundo, referiu, "é uma transição artística muito semelhante àquela a que assistimos na contemporaneidade, que se caracteriza também pela rejeição de paradigmas naturalistas e pela afirmação do abstraccionismo".

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