Prémio Crioestaminal reconhece estudo da doença de Machado-Joseph

Sandra Ribeiro, do Centro de Neurociências da Universidade de Coimbra, é hoje premiada por estudar a alteração da proteína que causa esta neurodegeneração

A primeira edição do prémio Crioestaminal, no valor de 20 mil euros, é hoje entregue a uma investigadora que quer estudar as causas da doença de Machado-Joseph. Esta doença neurodegenerativa, identificada na década de 70, e que tem especial incidência na população açoriana, é provocada por alterações cromossómicas, traduzidas em alterações na forma de uma proteína. Saber que alterações são essas e de que modo podem ser evitadas é um caminho de longo curso que Sandra Ribeiro quer traçar. Foi o facto de ter definido, e bem, esse caminho que lhe valeu o prémio da Associação Viver a Ciência e da empresa Crioestaminal.A protagonista da história que Sandra Ribeiro, bioquímica de 35 anos, a trabalhar no Centro de Neurociências da Universidade de Coimbra, anda a escrever chama-se ataxina 3. Ainda vai nas primeiras páginas. Mas promete revelar muito sobre a doença de Machado-Joseph, uma doença neurodegenerativa genética incurável, que tolhe todo o sistema motor, sem nunca afectar o intelecto.
Esta doença foi descoberta há cerca de 30 anos, em famílias do Massachusetts (EUA), descendentes de emigrantes açorianos. Sandra Ribeiro explica que a causa é uma alteração genética ao nível do cromossoma 14, onde ocorre uma repetição excessiva de três nucleótidos: "Há um gene em que uma das sequências de tripletos, neste caso das bases c, a, g, se repete, como se de um disco riscado se tratasse, por mais vezes do que seria desejável. Todos nós temos essas repetições, que ocorrem entre dez a 40 vezes. É quando ocorrem mais de 55 vezes que surge a doença", explica a investigadora.
Esta expansão de tripletos, como a ciência lhe chama, traduz-se na expansão da repetição de um aminoácido, na ataxina 3, a proteína construída a partir do molde deste gene alterado. Esses aminoácidos repetidos são as glutaminas, que estão na origem de muitos problemas: "A doença de Machado-Joseph inclui-se nas doenças de poliglutaminas, das quais a mais conhecida é a Coreia de Huntington."
Mas é na proteína, a ataxina 3, que Sandra Ribeiro está a trabalhar. A ataxina 3 tem segredos por revelar em relação ao modo de operar da doença de Machado-Joseph e Sandra Ribeiro quer descobri-los. "Há uma alteração na sua estrutura tridimensional, por causa da alteração dos aminoácidos", explica Sandra Ribeiro, actualmente a desenvolver o seu trabalho em colaboração com o Instituto Biomédico de Investigação em Luz e Imagem, também da Universidade de Coimbra.
"O que estamos a tentar perceber é que alteração tridimensional é essa", diz a investigadora que trabalha em cristalografia de proteínas desde 1992, como se fosse uma fotógrafa de pormenor de proteínas.
Um dos marcadores dessa alteração da forma da proteína é a formação de depósitos de fibras de amilóide, a principal causa da doença. Estes depósitos, que são como que um caixote do lixo que a célula usa para se livrar destas fibras, às quais não sabe o que fazer, como explica Sandra Ribeiro, ocorrem noutras doenças neurodegenerativas, como a de Alzheimer. Mas nesta doença os depósitos ocorrem na parte de fora das células. Na doença de Machado-Joseph são dentro da célula."A forma mais tóxica é o início desse processo. E é esse início que temos de alterar, ou inibir."
Esta primeira edição do Prémio Crioestaminal escolheu o trabalho de Sandra Ribeiro, entre 42 candidatos precisamente pela definição do caminho, que agora terá de ser percorrido. Para isso, precisa de financiamento. "É um longo percurso até chegarmos aos doentes de Machado-Joseph", reconhece Sandra Ribeiro.
Leonor Saúde, da Associação Viver a Ciência, criada para promover as ciências naturais, explica que é este espírito, de traçar um caminho e de saber como o percorrer, que se pretende premiar: "Decidimos financiar um projecto que quer ser feito, não um trabalho já realizado. Queremos contrariar o facto de ser o Estado o principal financiador da ciência, recorrendo a parcerias com empresas."
Luís Gomes, da Crioestaminal, empresa que trabalha na preservação de células do cordão umbilical, acha que o papel das empresas privadas no apoio à investigação científica em Portugal é essencial: "Temos grandes cientistas e devemos mobilizar todos os meios para este tipo de apoio, nomeadamente na área da biomedicina, que é a nossa área, mas não só."

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