A regionalização não morreu – precisamos de um poder regional democrático

Só poderemos ambicionar alcançar plenamente as promessas do 25 de Abril quando tivermos um poder regional democrático em todo o território nacional.

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O debate sobre a regionalização tem sido recorrente no nosso país nos últimos 50 anos. Mas o seu constante adiamento tem sido motivo de desistência para muitos dos seus defensores.

No entanto, a regionalização não só não está fora do horizonte político para esta década como precisa de ser colocada no topo das prioridades políticas do país. Isso só será possível se redefinirmos os termos deste debate.

A regionalização é a grande reforma estrutural, inscrita na Constituição desde 1976, que ficou por fazer. Só poderemos ambicionar alcançar plenamente as promessas do 25 de Abril quando tivermos um poder regional democrático em todo o território nacional. Para isso precisamos de concretizar a regionalização no território continental português e precisamos de o fazer ainda nesta década.

O poder local democrático foi uma das grandes conquistas da democracia e não há nenhum português que o ponha em causa nos dias de hoje. Mas esta unanimidade sobre o poder local democrático só foi conquistada pela ação das autarquias e o impacto decisivo que estas tiveram e têm na melhoria da vida de todos nós. Esta possibilidade de elegermos quem toma as decisões em nosso nome é, provavelmente, a principal característica das nossas democracias liberais.

Então porque recusamos eleger quem nos representa a nível regional? E porque aceitamos como essencial a existência de um poder regional em Portugal desde que confinado aos arquipélagos dos Açores e da Madeira? Porque não podemos ter também um poder regional, democraticamente eleito e democraticamente responsabilizável, no território continental português?

A regionalização é, antes de tudo o mais, uma questão de democracia. A regionalização aproxima as decisões dos territórios e das pessoas diretamente afetadas por elas. A regionalização permite que mais pessoas tenham voz na condução dos destinos das suas comunidades e do nosso país. A regionalização alarga a capacidade de ação democrática dos cidadãos e aumenta a responsabilização dos decisores políticos.

O diagnóstico está feito há muito tempo. A urgência de agirmos no sentido de uma maior coesão territorial é partilhada por todos. No entanto, muitos recusam o instrumento mais eficaz para permitir precisamente termos esse território mais coeso e menos desigual: a regionalização.

Sabemos bem que este impasse muito deve à mudança constitucional de 1998. Mas a Constituição não pode nem deve ser encarada como um problema ou um obstáculo. Bem pelo contrário, este mecanismo constitucional obriga a que consigamos convencer uma larga maioria do povo português de que a regionalização pode ser a melhor solução para muitos dos seus problemas. Em matérias como a habitação, a educação, a saúde, a mobilidade, o património natural e cultural, a juventude, o desenvolvimento económico, a ecologia, entre muitas outras, a regionalização abre um espaço de debate e de ação para tornar o nosso país menos desigual, mais desenvolvido e mais coeso.

Mas se queremos, finalmente, ultrapassar o impasse em que nos encontramos há várias décadas, não podemos continuar a fazer as coisas como até aqui. Precisamos de arrojo.

É por isso que o Livre propõe que seja criada uma Assembleia Cidadã para discutir a regionalização em Portugal continental. Esta assembleia, à semelhança de outras criadas em diversos países, teria como missão ouvir, debater, deliberar e recomendar um caminho para a regionalização do país ou, pelo contrário, recomendar a não regionalização do país.

A assembleia cidadã, escolhida aleatoriamente por entre uma amostra representativa da população portuguesa, abriria um amplo debate democrático com as populações locais, com as organizações da sociedade civil, com a academia, com as autarquias locais, com os partidos e movimentos políticos, com as associações patronais e sindicais, com o Governo e a Assembleia da República, para que um leque diversificado e representativo da sociedade portuguesa pudesse participar e contribuir ativamente para este processo deliberativo.

No final, seria feita uma recomendação do caminho a seguir que, caso propusesse a implementação da regionalização, levaria à convocação de um referendo sobre este tema para que todos nós nos pudéssemos pronunciar sobre a matéria. Estamos convencidos de que este processo conseguiria, enfim, desbloquear esta reforma e terminaria com a materialização de um poder regional democrático no território continental português.

Os autores escrevem segundo o novo acordo ortográfico

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