Os jovens ao serviço do extremismo: do “terrorista 007” à extrema-direita

No âmbito da radicalização de jovens, há três principais fatores que se destacam e que têm sido explorados tanto por grupos jihadistas como de extrema-direita.

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“Que tipo de bactérias podem ser usadas para matar pessoas?” Esta pergunta é a peça central na história de um jovem britânico radicalizado que, aos 19 anos, enveredou por um caminho violento. Aquisição de detergentes, pesquisas obsessivas sobre o fabrico de bombas caseiras e coletes-suicidas, equações matemáticas e fortes sentimentos de ódio são alguns dos principais marcos desta história sinistra. Outrora secreta, é agora pública, revelada pela Unidade Nacional de Contraterrorismo da polícia britânica em um podcast que dá a conhecer alguns dos enredos terroristas desmantelados pelas autoridades. Entre os casos reportados, há um aspeto comum que se destaca: o perpetrador é jovem.

Nos últimos anos, do jihadismo à extrema-direita, as autoridades têm identificado uma tendência crescente e preocupante: a maioria dos ataques são planeados e perpetrados por jovens, com uma média de idades entre os 15 e os 30 anos. Em 2021, o MI5 investigou um suspeito terrorista neonazi com apenas 13 anos e, em 2022, a Alemanha deteve um adolescente por alegados planos terroristas de matriz jihadista. Em 2024, a Polícia Judiciária deteve um português de 17 anos que difundiu propaganda nazi e incitou à perpetração de massacres em escolas. Por que razão os jovens são os principais alvos dos grupos terroristas?

É importante reconhecer que existe uma pluralidade de motivos que explicam a violência terrorista. De forma simplificada, distinguem-se dois grupos de causas: os fatores contextuais (relativos à conjuntura política, económica ou social em que o indivíduo se insere) e os fatores individuais (respeitantes à personalidade individual). No contexto da OCDE, os fatores mais associados ao terrorismo relacionam-se com a falta de oportunidades socioeconómicas e os sentimentos de alienação social.

Este contexto é favorável à radicalização, um processo que corresponde à adesão ao extremismo violento, isto é, à crença em uma ideologia na sua forma extremista e à oposição aos valores democráticos que culmina no ato de apoiar, promover ou cometer ações violentas. No âmbito da radicalização de jovens, destacam-se três principais fatores que têm sido explorados tanto por grupos jihadistas como de extrema-direita.

1. Em primeiro lugar, a saúde mental. O terrorista é um ator racional que decide segundo uma determinada causa ideológica. Porém, em alguns casos os suspeitos demonstram sinais de radicalização e, simultaneamente, apresentam um conjunto de problemas mentais. Note-se que é um problema crescente no terrorismo. Entre 2015 e 2020, todas as penas dos terroristas condenados na UE incluíram o seu internamento em centros dedicados à saúde mental, enquanto método complementar à prisão ou em alternativa à mesma. As narrativas extremistas são atrativas para indivíduos psicologicamente instáveis, porque são apresentadas de forma simples, direta e objetiva. Os adolescentes e jovens em situação vulnerável, em particular, têm uma maior suscetibilidade às mesmas.

2. Em segundo lugar, a influência das redes sociais e apps tecnológicas. Estes meios contribuem para difundir as narrativas extremistas e facilitam a radicalização e o recrutamento. São atrativos para os jovens pela simplicidade na forma de comunicação, o carácter divertido e descentralizado (forte presença em chats e apps) ou até a rapidez na resposta. O objetivo é criar uma visão coerente do mundo, apelando a uma vida de aventura, em um estilo cinematográfico.

Younes Tsouli, um “ciberjihadista” britânico de origem marroquina, detido aos 22 anos em 2005, usou o codename “Irhabi 007” (terrorista 007) com o intuito específico de atrair e recrutar jovens para a causa de Bin Laden. Os grupos de extrema-direita também têm sido hábeis na utilização destes instrumentos, apostando na criação de vídeos, memes e cartoons relativos a questões militares. Há também um esforço na difusão de imagens românticas e sexualizadas de jovens casais heterossexuais, escolhidos sob os critérios da “beleza hitleriana”, exibindo armas de fogo, no intuito de seduzir os jovens, reforçar o “espírito militar” e promover sentimentos de “força” e “poder” dentro das comunidades.

3. Em terceiro e último lugar, o papel da religião (na sua forma extremista). Este fator está particularmente associado aos jovens muçulmanos. Aimen Dean, um desertor da al-Qaeda que se tornou espião para os serviços secretos britânicos (MI6), explica que os jovens são aliciados com base na possibilidade de redenção, sendo-lhes incutida a ideia de que estão a agir de forma “anti-islâmica” porque vivem de “forma ocidental”. A narrativa extremista baseia-se no medo e a jihad é pregada como o seu único meio de salvação. Não obstante, é importante enfatizar que a religião não é uma causa do terrorismo enquanto fenómeno isolado, sendo instrumentalizada pelos terroristas. Aliás, vários estudos demonstram que a maioria dos indivíduos recrutados possuem conhecimentos insuficientes sobre o Islão, existindo outros motivos explicativos para a adesão aos grupos jihadistas.

Independentemente da causa ideológica, os grupos jihadistas e de extrema-direita apresentam narrativas extremistas, violentas, que pretendem alterar as estruturas políticas, sociais da ordem ocidental democrática. Fascinam e aliciam jovens com base em incentivos materiais – oferecendo, alegadamente, oportunidades de “emprego”, habitação e alimentação – bem como recompensas espirituais através do apelo ao martírio, heroísmo ou ao nacionalismo patriótico. Ambos apelam à participação em uma missão “histórica” (em nome do “Califado” ou do “Quarto Reich”), incitando ao espírito de combate. Este panorama, aliado aos fatores supracitados, oferece as condições motivacionais necessárias à violência conducente ao extremismo e ao terrorismo.

O caminho para a radicalização é personalizado, sendo um processo gradual pautado por múltiplos indicadores que variam consoante o quadrante ideológico.

A sociedade civil desempenha um papel primordial no combate aos extremismos, sendo essencial envolver diversos atores na prevenção, desde forças policiais, passando pela família, até às escolas. Em período de eleições europeias, marcado por um contexto securitário polarizado, explorado por atores populistas que veiculam mensagens contrárias aos valores democráticos, o que quer a Europa oferecer às gerações atuais e futuras? A luta contra os extremismos é um dever coletivo que requer atenção regular.

A autora escreve segundo o novo acordo ortográfico

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