O TAD: em busca de mais processos

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No Processo n.º 2/2024, de 25 (?) de Março de 2024, o Tribunal Arbitral do Desporto (TAD), em processo de arbitragem necessária, veio a conhecer e a decidir sobre uma situação eleitoral, que ocorreu numa associação distrital de futebol. Adiantamos, desde já, o nosso entendimento de que, para tal, a lei não lhe atribui competência. Ao afirmar, sem rodeios, essa competência, sem mesmo sentir necessidade de fundamentar, o TAD permanece na senda da bem conhecida fórmula “de que tudo o que vem à rede é peixe”.

Dispõe a lei do TAD, no espaço da arbitragem necessária: compete ao TAD conhecer dos litígios emergentes dos actos e omissões das federações desportivas, ligas profissionais e outras entidades desportivas, no âmbito do exercício dos correspondentes poderes de regulamentação, organização, direcção e disciplina. (artigo 4º, nº1).

Duas questões se levantam na interpretação dessa norma, pelo menos no que diz respeito ao caso agora decidido.
A primeira, prende-se com a assunção pelo TAD (desde há muito) que na previsão “outras entidades desportivas” se incluem as associações de base territorial, vulgo associações distritais ou regionais de modalidades. Ao seguir este caminho, o TAD faz tábua rasa de tudo o que motivou a sua criação do TAD, em termos de arbitragem necessária – vertente pública da acção de organizações desportivas – e ainda do facto de não haver nenhum sinal forte de que as associações distritais de modalidade exerçam poderes de natureza pública. Bem pelo contrário, como firmou, em alguma medida, o Supremo Tribunal Administrativo.

Uma segunda questão, que também conduz à incompetência material do TAD, tem a ver com a interpretação do seguinte arco normativo: "exercício dos correspondentes poderes de regulamentação, organização, direcção e disciplina". Ora, ainda aqui interpretando tudo o que ocorreu com a criação do TAD, estes poderes reconduzem-se às competições desportivas e nada mais. Não é, seguramente, o caso de um contencioso eleitoral.

A decisão, depois de o TAD se julgar “automaticamente” competente, passa a navegar em normas de direito privado, o que, no mínimo, é peculiar, em sede de arbitragem necessária. Toda a situação é analisada como tendo por base uma associação privada sem fins lucrativos, sua normação interna e composição dos seus órgãos. A norma fundamental que determina a decisão do TAD não é de natureza administrativa, mas antes um artigo do Código Civil, inserido no espaço próprio desse tipo de associações: o artigo 176.º, sobre a privação do direito de voto dos associados. E admite-se ainda a possibilidade de, em caso de lacunas, recorrer às normas aplicáveis às sociedades comerciais.

A nosso ver, a instância competente seriam os tribunais judiciais.

Embora não constando expressamente de qualquer programa eleitoral apresentado pelos diferentes partidos, nem do programa do actual Governo, impõe-se como prioridade reformista a busca de solução a adoptar em sede de justiça desportiva. Para tal, pode contribuir o próximo Congresso de Justiça Desportiva, organizado pelo próprio TAD, a realizar em Lisboa, Faculdade de Direito de Lisboa, nos dias 16 e 17 de Maio. Esperemos que seja útil.

josemeirim@gmail.com

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