Afantasia: como é viver sem imaginação visual nem voz interior?

A afantasia é muitas vezes descrita como “uma mente cega” ou “surda”: são pessoas que não conseguem ter experiências visuais imaginadas nem ouvem uma voz interior. Como é viver assim?

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“Uma mente cega e surda”: como é viver sem imaginação visual nem voz interior? Pexels/ Chermiti Mohamed
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Olha para estas duas imagens: consegues ver o cubo à esquerda e a cara à direita?

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Consegues imaginar ver coisas na tua mente? E consegues ouvir a tua voz interior quando pensas ou lês?

Um dos autores deste artigo, Loren Bouyer, não consegue fazer nenhuma dessas coisas. Para Loren, a imagem da esquerda é uma confusão de formas bidimensionais e a da direita é apenas uma esfregona.

Loren não consegue imaginar sensações sonoras ou visuais, nem ouvir uma voz interior quando lê. Tem uma doença que descrevemos como afantasia profunda, num artigo publicado na revista cientifica Frontiers in Psychology.

“Uma mente cega”

Os dois autores deste artigo têm afantasia – não conseguem ter experiências visuais imaginadas.

A afantasia é muitas vezes descrita como “uma mente cega”. Mas, muitas vezes, não conseguimos ter outro tipo de experiências imaginadas. Assim sendo, uma pessoa com afantasia pode ter uma mente cega e surda, ou cega e sem a capacidade de sentir sabores.

Muitas vezes nos perguntam como é viver assim. As analogias ajudam-nos a explicar.

As pessoas têm mentes multilingues

A maioria das pessoas consegue ouvir uma voz interior quando pensa. Até podes falar apenas uma língua — a tua voz interior vai “falar” essa língua. Apesar disso, entendes que outras pessoas podem falar línguas diferentes. Por isso podes imaginar o que seria ouvir a tua voz interior falar várias línguas diferentes.

Da mesma forma, conseguimos imaginar como os teus pensamentos devem ser. Podem ser diversos, com sensações visuais e auditivas diferentes, com sensações olfactivas ou tácteis.

As nossas mentes são diferentes. Nenhum de nós consegue ter experiências visuais imaginadas, mas Derek consegue ter sensações auditivas imaginadas e a Loren consegue imaginar sensações tácteis. Ambos temos pensamentos enquanto um conjunto diferente de “línguas interiores”.

Algumas pessoas com afantasia relatam não ter nenhuma sensação imaginada. Como são as suas experiências imaginadas? Achamos que conseguimos explicar.

A Loren consegue ter sensações imaginadas de toque, mas pode não as ter. Ela tem de escolher tê-las e isso requer esforço.

Partimos do princípio de que as tuas experincias visuais imaginadas são semelhantes. Então o que é que acontece quando Loren pensa, mas escolhe não ter sensações imaginadas de toque?

Os nossos pensamentos subconscientes

A maior parte das pessoas consegue escolher ouvir, nas suas mentes, o seu discurso mesmo antes de o dizer em voz alta, mas na maior parte das vezes não o faz. As pessoas podem participar em conversas sem se ouvirem previamente.

Para a Loren, a maioria dos seus pensamentos são assim. Escreve sem ter qualquer tipo de experiência prévia do conteúdo que vai escrever. Às vezes faz uma pausa, quando se apercebe que não está pronta para acrescentar nada mais, e recomeça quando se sente preparada.

A maioria das operações do nosso cérebro são subconscientes. Por exemplo, e apesar de não o recomendarmos, suspeitamos que muitos de vocês já estiveram a conduzir enquanto estavam distraídos e só pararam quando se aperceberam que estavam a conduzir para casa ou para o escritório em vez de irem para o vosso destino. Loren sente que a maioria dos seus pensamentos é como este tipo de operações subconscientes na mente.

E quanto ao planeamento? Para Loren é uma combinação de texturas imaginadas, movimentos corporais e estados de espírito reconhecíveis.

Há uma sensação de conclusão quando um plano está formado. Um discurso planeado é uma sequência de movimentos imaginados da boca, gestos e posturas. Os seus planos artísticos são vividos como texturas. Nunca ouve uma lista em formato áudio ou visual do que pretende fazer.

Há muitas diferenças entre pessoas com afantasia

Ao contrário do que acontece com Loren, os pensamentos de Derek são apenas verbais. Não tinha sequer conhecimento, até há bem pouco tempo, que outras modalidades de pensamento eram possíveis.

Algumas pessoas com afantasia relatam sensações involuntárias imaginadas, normalmente memórias do passado desagradáveis. Nenhum de nós alguma vez teve uma experiência visual imaginada, voluntária ou involuntária, durante as nossas vidas.

Isto sublinha a diversidade. A única coisa que podemos fazer é descrever as nossas experiências particulares de afantasia.

Frustrações e o humor dos mal-entendidos

As pessoas com afantasia podem ficar frustradas com as tentativas alheias de explicar a nossa experiência. Por exemplo, há quem sugira que temos experiências visuais imaginadas, mas que apenas não as conseguimos descrever.

Entendemos a confusão, mas isto pode parecer condescendente. Ambos sabemos o que é ter sensações imaginadas, então sabemos reconhecer o que é a ausência de um tipo particular de experiência imaginada.

A confusão surge dos dois lados. Recentemente estávamos a discutir uma experiência. O estudo era demasiado longo e tínhamos de o encurtar. Então estávamos a ponderar qual dos cenários visuais imaginados devíamos cortar.

Loren sugeriu cortar um cenário onde pedíamos às pessoas que imaginassem um gato preto com os olhos fechados. Achámos que podia ser difícil imaginar um gato preto, contra um fundo escuro criado pelos olhos fechados.

A única pessoa na sala que conseguia imaginar experiências visuais começou a rir-se. Aparentemente é fácil para a maior parte das pessoas imaginar gatos pretos, mesmo quando os olhos estão fechados.

Afantasia profunda

Os investigadores acreditam que a afantasia acontece quando a actividade da parte frontal do cérebro não consegue excitar as regiões de actividade na parte de trás. Este feedback seria necessário para que as pessoas imaginassem experiências.

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Achámos que podia ser difícil imaginar um gato preto de olhos fechados Pexels / Pixabay

Loren parece ter uma forma de afantasia que ainda não foi descrita. O feedback malsucedido do cérebro de Loren parece resultar em experiências atípicas de contributos visuais. Por isso é que ela não consegue ver o cubo nem a cara na esfregona no topo deste artigo, ou ter uma data de outras experiências típicas de estímulos visuais.

Criámos a expressão “afantasia profunda” para descrever pessoas como Loren, que não só não conseguem ter experiências sensoriais imaginadas, mas também têm experiências atípicas de contributos visuais.

O nosso objectivo ao descrever as nossas experiências é consciencializar para o facto de algumas pessoas com afantasia poderem ter experiências invulgares de estímulos visuais, como Loren. Se conseguirmos identificar essas pessoas e estudar os seus cérebros, talvez consigamos perceber por que é que algumas pessoas conseguem pensar em experiências sensoriais quando querem, enquanto outras não conseguem.

Também queremos consciencializar para as experiências diferentes que as pessoas têm quando pensam, o que pode incentivar uma maior tolerância quando as pessoas expressam pensamentos diferentes.


Exclusivo P3/ The Conversation
Derek Arnold é professor na Escola de Psicologia na Universidade de Queensland. Loren N. Bouyer é doutoranda em Neurociência na Universidade de Queensland.

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