Abril 74/ Abril 24
Poesia Pública é uma iniciativa do Museu e Bibliotecas do Porto comissariada por Jorge Sobrado e José A. Bragança de Miranda. Ao longo de 50 dias publicaremos 50 poemas de 50 autores sobre revolução.
Vozes que vazaram onde vão, diz um poeta
de outrora seu eco desaguando neste texto.
Estamos no olho do furacão no tempo errado?
Abril é memória convulsiva e dizes
“Onde vão as vozes que vazaram”
repetindo outra era, outro pó e outro estado
Na fotografia antiga um soldado no largo
onde tanques mergulhados estavam por
uma multidão sanguínea, crianças com flores
de paz despediam-se dum tempo escuro e frio
Abril tinha ainda no rio as formas trágicas e
heróicas e era uma porta aberta ao dia claro
Mas quem cerrou o tempo ao ido grito
de uma esperança refractada?
Abril de mil novecentos e setenta e quatro
guardo como uma idade mágica não vivida
mas sentida ao longo destes anos em que nada
o teu calor intempestivo pode apagar
Ó vozes que vieram na vazante – a nossa vida
(a nossa – os que depois de vocês, nascidos
para o dia lusíada e não reencontrado) –
em nós Abril é a voz carnal
um fogo posto no país amado
António Carlos Cortez. Professor, poeta, ficcionista, ensaísta e crítico literário, publicou o seu primeiro livro em 1999. Da sua obra destacam-se livros como A Sombra no Limite (Gótica, 2004), Depois de Dezembro (Licorne, 2010), A Dor Concreta (Tinta da China, 2016), Jaguar (Dom Quixote, 2019) e Diamante (Dom Quixote, 2021). Publicou em 2018, pela Gradiva, Voltar a Ler, colectânea de ensaios sobre poesia portuguesa moderna e contemporânea. Escreve regularmente para o Jornal de Letras, onde assina a coluna "Palavra de Poesia" desde 2004. É cronista no Diário de Notícias, escreveu para o PÚBLICO textos sobre educação e cultura. É colaborador permanente das revistas Relâmpago e Colóquio-Letras. Está traduzido em diversas línguas em antologia. É autor do romance Um Dia Lusíada (Caminho, 2022). Publicou este ano o seu livro de contos Cenas Portuguesas, também pela Caminho, e o volume Poesia Reunida 1999-2024.