UE tem de decidir se quer ser “um agente geopolítico relevante ou um mercado interno”

Quem mais defende o envio de tropas é quem “fecha a fronteira aos ovos da Ucrânia”, notou António Costa num debate em Lisboa, defendendo que a UE nunca terá “autonomia estratégia com proteccionismo”.

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Militar ucraniano na frente de combate, na região de Donetsk Sofiia Gatilova/Reuters
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Os “órgãos e as instituições” da União Europeia “não são suficientes nem proporcionam o relevo que a Europa tem em dimensão”: para Francisco Pinto Balsemão, isso só mudará “se a Europa caminhar para ser uma federação de Estados”. A convicção do antigo primeiro-ministro social-democrata é partilhada por Mariano Rajoy, ex-presidente do Governo espanhol e membro da mesma família política. Face aos “inimigos” China e Rússia, Rajoy não vê alternativa que não seja “evoluir para os Estados Unidos da Europa”

Balsemão e Rajoy participaram na mesa redonda que encerrou o Foro La Toja, um espaço de debate internacional lançado em 2019 na Galiza e que desde o ano passado se realiza também em Lisboa, aqui como Foro La Toja – Vínculo Atlântico. Numa edição que se propôs olhar para “Cinco décadas de Democracia em Portugal e Espanha”, o painel que estes ex-dirigentes partilharam com António Costa e Felipe González centrou-se nos desafios da integração europeia, um espaço ao qual os dois países chegaram juntos.

Como já fizera na abertura do fórum o novo ministro dos Negócios Estrangeiros, Paulo Rangel, Balsemão apontou a importância da relação com os estados do Mercosul (Mercado Comum do Sul) e da América Latina, com o ex-primeiro-ministro a notar que Portugal e Espanha poderiam ter imprimido à UE “uma marca mais forte, com o que se chama Ibero-América", mas nunca foram capazes “de absorver completamente essa capacidade”.

Falando precisamente das negociações para fechar o acordo comercial entre a UE e o Mercosul – que levam já 20 anos e que em Janeiro Emmanuel Macron pediu a Bruxelas que suspendesse –, Costa sublinhou que “num mundo global” não é possível ter “autonomia estratégica com um regresso ao proteccionismo”. Por isso, defende, “temos de decidir se queremos discutir o custo de importar carne da Argentina e do Brasil ou se vamos perceber que precisamos da Argentina e do Brasil como aliados fundamentais” para evitarmos “ser esmagados” entre gigantes como a China e os Estados Unidos.

Na prática, resume, a UE tem de decidir se quer ser “um agente geopolítico relevante ou um mercado interno”.

Valendo-se de uma experiência de governação mais recente, Costa apontou que a dificuldade para chegar à tal política comum passa precisamente pelas diferentes visões do mundo dos 27 Estados-membros, cada uma “marcada pela sua própria experiência história”.

É isso que faz com que países como Portugal e Espanha, “tradicionalmente fomentadores do consenso”, se choquem “quando países que são dos mais favoráveis ao envio de tropas para a Ucrânia fecham as fronteiras aos cereais, ovos e galinhas” da Ucrânia. “Para nós é incompreensível, mas há vizinhos da Ucrânia [como a Polónia] que acham tão essencial ganhar a guerra como impedir as importações da Ucrânia”, assinalou, numa “ilustração do exercício prático dessa dificuldade”.

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