A 3300 quilómetros de distância, a minha filha foi assistindo à Conferência PÚBLICO, na terça-feira, em Lisboa. E se já sabia que, no Estado Novo, as enfermeiras não podiam ser casadas, as professoras primárias tinham de pedir autorização ao Ministério da Educação para casar, e as mulheres autorização ao marido ou ao pai para trabalhar ou para sair do país, o que a surpreendeu, numa intervenção de Carmo Afonso, foi saber que os homens podiam matar as mulheres por questões de honra e não lhes acontecer nada. Para sermos rigorosos, e a advogada e cronista do PÚBLICO foi, o homem ia para o desterro seis meses e depois seguia a sua vida. 

À noite, comentou com o namorado que isso acontecia antes do 25 de Abril e ele não quis acreditar, que era impossível um homem não ser preso e condenado a anos e anos de cadeia. "Impossível, estamos na Europa, vocês são europeus, não viviam num regime talibã", disse. Ela insistiu e ele contrapôs que era "fakeum homem não ser condenado, era uma questão de "agenda das feministas" ou daquela feminista em particular. Foi então que a conversa azedou e decidiram ir à procura de informação à Internet. Tudo se encontra e os ânimos acalmaram-se. Era verdade. Ele ficou "speechless", sem palavras.

Cinquenta anos depois, o que mudou? "É muito difícil dizer que depois do 25 de Abril houve uma conquista mais importante do que outra. O que as mulheres fizeram foi fabuloso. Mudámos completamente. Para isso, tenho de voltar atrás e dizer como era a situação das mulheres até essa altura. As mulheres eram espancadas e toda a gente achava normal. Foi uma mudança radical", responde, em entrevista, a directora por um dia, a escritora Maria Teresa Horta.

Mas não está tudo feito, nem tudo adquirido. Susana Peralta recorda, em pequena, um vizinho que maltratava a mulher e lembra que não há dados passíveis de ser comparados com o resto da União Europeia sobre violência contra as mulheres. Vale a pena ler os trabalhos que fomos fazendo na última semana, que revelam que há ainda tanto por conquistar, para que — como dizem as mulheres que desfilaram num 8 de Março chuvoso e frio, na avenida mais multicultural de Lisboa — não sejamos "nem menos, nem mais, direitos iguais". Vale a pena ouvir a activista Manuela Tavares, que diz uma coisa tão curiosa: que foram as necessidades das mulheres que a fizeram compreender o que era o feminismo. 

Atribui-se a Simone de Beauvoir a frase que "basta uma crise política, económica ou religiosa para que os direitos das mulheres sejam postos em causa" e eu atrevo-me a acrescentar que basta haver redes sociais pululadas de misóginos mascarados de jovens cool e bem-falantes para porem tudo em causa, da democracia à igualdade de género, saudosos do tempo dos bisavós, em que as mulheres eram submissas e ignorantes. Na conferência, no painel sobre partilha de tarefas, a advogada Catarina Brito Ferreira chamou a atenção para os adolescentes que ridicularizam as feministas, há um "ódio à emancipação das mulheres", confirma o autor Henrique Raposo. Hoje elas vão mais longe, seguem para o ensino superior, ao passo que eles são orientados para o profissional, refere a investigadora Virgínia Ferreira. "Vale a pena lembrar que até há bem pouco tempo fazia parte do código da atracção amorosa não só a submissão da rapariga mas também a sua ignorância", recorda Lídia Jorge na sua intervenção.

Diz Maria Teresa Horta que as mulheres são duras umas com as outras. "Foram ensinadas a isso durante gerações. É uma coisa que sei que se vai herdando." Por isso, na conferência, a advogada e activista Leonor Caldeira apela à sororidade: "50 anos de liberdade não chegaram para criarmos, em Portugal, um ambiente sólido de compreensão e de diálogo onde mulheres possam analisar e denunciar entre si as suas experiências de desigualdade e discriminação; em que mulheres se ouvem umas às outras, validam as suas experiências, apoiam-se entre si, defendendo-se da misoginia quotidiana."

Na secção Ímpar, como não podia deixar de ser, as mulheres não foram esquecidas. Divulgámos um estudo, feito em 36 países, que conclui que as meninas arriscam menos na criatividade porque se sentem pressionadas para serem perfeitas (que mulher que não se revê...); publicámos um trabalho da Reuters sobre o impacto do filme Barbie não só no elenco, mas em adolescentes (há esperança!); e uma reportagem sobre as jovens chinesas não quererem ter filhos. Uma das razões? Eles não querem partilhar tarefas com elas e elas não estão para se sacrificar. Curiosamente, há uma semana, li um trabalho da BBC, em que as protagonistas eram sul-coreanas e as razões muito parecidas. A psicóloga Vera Ramalho instiga-nos a cuidar de nós e a médica Raquel Lopes Casal, da nossa saúde, física e mental.

Se hoje, nenhuma portuguesa precisa de pedir autorização para casar ou trabalhar, muitas continuam a ser penalizadas se quiserem ter filhos e atiram essa decisão para as calendas gregas, para corresponder às expectativas profissionais e progredirem nas suas carreiras. Em resumo, no que diz respeito às mulheres, nunca falamos de direitos adquiridos e é preciso lutar, dia após dia, para que os passos dados sejam sempre em frente, até que um dia não seja preciso assinalar o Dia da Mulher.

Boa semana!

PS: Nos últimos dias, navegámos ainda pelo mundo da moda. Fizemos um balanço da Semana da Moda de Paris; mostrámos antigas burcas do Afeganistão que foram transformadas em "peças de protesto" assinadas por Katty Xiomara; assinalámos os 30 anos de carreira do designer Dino Alves, conhecemos designers ucranianos, que vieram mostrar o seu trabalho na ModaLisboa. Neste certame, conhecemos ainda os vencedores do concurso Sangue Novo e muito mais. Esta noite, a Inês Duarte de Freitas fará a passadeira vermelha dos Óscares.