A casta bandeira de Chocapalha e um Arinto de curtimenta e paciência

A Quinta de Chocapalha viu potencial na plasticidade do Arinto e em dar-lhe tempo para crescer. Dessa constatação e do trabalho que já vinha sendo feito com a casta, nasceu este Arinto Antigo.

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O Quinta de Chocapalha Arinto Antigo 2020 Matilde Fieschi
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Há quase dez anos, a Quinta de Chocapalha começou a fermentar em barrica parte do Arinto, a principal casta plantada na propriedade adquirida pela família Tavares da Silva em 1987 e encravada entre as aldeias Gavinha e Galega da Merceana, em Alenquer. A variedade branca, presente de Norte a Sul de Portugal, fresca, cítrica e bastante acídula quando jovem, passou depois disso a entrar no Reserva branco do produtor, que até então era um lote de Chardonnay e Viosinho e que agora é quase sempre Chardonnay e Arinto.

Era a semente de um projecto que faria com que o Arinto fosse hoje uma das bandeiras, se não a bandeira, da propriedade situada a 40 minutos de Lisboa. A enologia — Sandra Tavares da Silva e, como enólogo residente, o arrudense Miguel Cavaco — criou o CH by Chocapalha branco, um Arinto que fermenta e estagia nove meses em barricas neutras (usadas) de carvalho francês antes de ser engarrafado.

A dada altura e para não se aborrecerem, nas palavras de Cavaco, nasce a ideia de fazer este Arinto Antigo, um branco de curtimenta que não é um orange wine, que mostra como evolui bem a casta e que resulta num vinho complexo e muito gastronómico.

Para além do Arinto Antigo, provámos na Chocapalha outros vinhos feitos com esta casta branca Matilde Fieschi
Os primeiros mercados para os Arintos da Chocapalha foram sempre lá fora. Neste momento a variedade é uma das bandeiras, se não a bandeira, deste produtor Matilde Fieschi
A Quinta de Chocapalha comprou recentemente mais 6 hectares de terra onde plantou Chardonnay e Cabernet Sauvignon, outras castas importantes para o seu portefólio Matilde Fieschi
Entre os bardos da Chocapalha, os solos estão floridos, seja com cobertos semeados, seja com vegetação expontânea Matilde Fieschi
O arrudense Miguel Cavaco é enólogo residente da Quinta de Chocapalha há cerca de uma década Matilde Fieschi
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Para além do Arinto Antigo, provámos na Chocapalha outros vinhos feitos com esta casta branca Matilde Fieschi

De uma parcela só, vinha com 30 e poucos anos, o Quinta de Chocapalha Arinto Antigo 2020 fermentou durante 28 dias, a baixas temperaturas e com maceração pelicular — como um tinto —, primeiro em inox e já na fase final da fermentação em barricas de 500 litros usadas. Todos os dias a equipa da adega fazia um abaixamento suave da manta. "Como estava a evoluir tão bem, deixámo-lo dois anos em barrica", conta Miguel Cavaco.

Cor dourada. Nariz intenso, com um apetrolado, que faz lembrar um Riesling com mais tempo, notas de frutos secos que nos levam para os aromas de um Porto branco velho e casca de laranja cristalizada, tudo aromas evolutivos. Na boca, é fresco, envolvente, com um tanino que foi domado pelos 24 meses de barrica mas que ainda assim nos deixa a salivar, salino. Um vinho equilibrado e persistente. Original.

Lançado já este ano, provámo-lo juntamente com outras referências da quinta em que entra o Arinto. No Mar de Lisboa Branco 2022 (6 euros), a casta faz parelha com o Verdelho. Enquanto este é responsável pelo lado tropical que sentimos no nariz, na boca sobressaem a frescura e a mineralidade do Arinto. Uma boa proposta entre entre valor e identidade. Seguiu-se o varietal Quinta de Chocapalha Arinto 2022 (9,5 euros), de uma frescura imensa mas com mais dimensões e um nariz cítrico mas que carrega os solos calcários da região. Elegante e alegre.

O tal Quinta de Chocapalha Reserva Branco 2022 (16 euros; 80% Chardonnay, 20% Arinto) cheira a citrino e a fruta de polpa branca, é volumoso, mais estruturado, mineral e complexo. O CH by Chocapalha Arinto 2020 (25 euros) esteve aqueles nove meses em barrica e depois estagiou em garrafa dois anos (começou a ser comercializado há dois meses). Tem mais exacerbados os tais aromas do calcário, num estilo que lembra os Borgonha. Mas é um Arinto.

"E o Arinto faz isto tudo", atalha Andrea Tavares da Silva, responsável pela gestão do negócio familiar que começou porque Paulo Tavares da Silva tinha o sonho de voltar a ter uma propriedade agrícola como aquela onde passou a sua juventude em Alcochete. E porque Alice, a sua esposa, queria ficar perto de Lisboa, para não deslocar as três filhas, que à data estudavam na capital. O antigo comandante da armada mudou-se para a quinta "de saco-cama e espingarda" e ali ficou sozinho uns tempos, até estarem reunidas as condições para a família se juntar a ele.

Alice e Paulo Tavares da Silva, os proprietários da Quinta de Chocapalha Matilde Fieschi
Andrea, uma das três filhas do casal Tavares da Silva, gere o dia-a-dia da Chocapalha Matilde Fieschi
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Alice e Paulo Tavares da Silva, os proprietários da Quinta de Chocapalha Matilde Fieschi

"A Quinta de Chocapalha é um acto de amor" e nasceu para "unir a família", resume Andrea, e o projecto construído nos últimos 37 anos — 90 hectares em regime de protecção integrada, dos quais 50 são vinha e onde há também pêra-rocha — tem como premissa "deixar algo sempre melhor" do que aquilo que os Tavares da Silva encontraram.

Voltando ao Antigo, a enologia viu potencial na plasticidade do Arinto e em dar-lhe tempo para crescer. Sem inventar a roda, é certo — no tempo das Invasões Francesas, o nosso Arinto já era colocado em madeira para seguir ara Inglaterra e era consumido com mais tempo —, mas resistindo às pressões do mercado, que não tinha (ainda não tem) paciência para esperar pelo Arinto. E só por isso mereceria destaque este Arinto Antigo.

Nome Quinta de Chocapalha Arinto Antigo Branco 2020

Produtor Quinta de Chocapalha

Castas Arinto

Região Lisboa

Grau alcoólico 12,5%

Preço (euros) 35

Pontuação 94

Autor Ana Isabel Pereira

Notas de prova Nasce de vinhas com 32 anos e fermentou quase um mês, a baixas temperaturas e com maceração pelicular, tendo a fase final da fermentação decorrido em barricas neutras de carvalho francês. Ficou nesses cascos usados dois anos. Dourado, é aromaticamente intenso, mas mostra o lado da (boa) evolução do Arinto, com um apetrolado, a lembrar os Riesling com mais tempo, notas de frutos secos e casca de laranja cristalizada. Na boca, é fresco, envolvente, com taninos equilibrados e persistentes. Original. 1.840 garrafas, de um vinho que, a sair, só sairá a cada dois anos.

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