Incerteza e contradições marcam testemunhos no julgamento da morte de adepto do FC Porto

Quantas facadas, em que momento e com a colaboração de quem? Testemunhas foram confrontadas com alterações nos depoimentos. Marco e Renato ligados às agressões fatais que vitimaram Igor Silva.

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Em causa está a morte de Igor Silva, adepto assassinado durante os festejos do FC Porto, em Maio de 2022 Nelson Garrido
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Com a grande maioria das testemunhas já ouvidas, os detalhes sobre a morte de Igor Silva, adepto assassinado durante os festejos do FC Porto, em Maio de 2022, estão ainda cobertos por grande incerteza. As várias alterações aos depoimentos têm causado estranheza a advogados e juízes, tendo o tribunal recorrido à recuperação das declarações proferidas pelas testemunhas dias após o homicídio.

Agressões flagrantes na altura são agora incertezas, sendo certo que, dos 18 ferimentos de facadas verificados no momento da autópsia, ainda só foi possível justificar um – admitido pelo próprio arguido. Por duas vezes, testemunhas ouvidas esta quinta-feira em tribunal garantiram ter sido as primeiras a prestar o primeiro socorro a Igor Silva após o ataque – uma impossibilidade lógica que motivou a reacção de duas arguidas. Dos sete homens acusados de homicídio, três ainda não foram colocados sequer no local em que Igor foi assassinado.

Esta quinta-feira, na quarta sessão deste julgamento, foram ouvidas cinco testemunhas, com diferentes graus de afinidade com a vítima. A namorada de Igor Silva diz que Marco Gonçalves e o filho, Renato Gonçalves, agrediram em conjunto o adepto durante os festejos do título do FC Porto em Maio de 2022. Ana Sofia Sousa diz que Renato foi o autor das facadas que provocaram a morte a Igor Silva, atribuindo socos e outras agressões corporais a “Orelhas” – alcunha atribuída a Marco, membro à data dos Super Dragões.

“O Igor tropeça num degrau a tentar fugir, o Marco agarra-o pelo braço e diz: ‘Bate-me agora, filho da p…, que já não estás em Lisboa”, descreve a namorada, fazendo referência a um desentendimento entre os dois horas antes da morte de Igor, no Estádio do Luz, nos minutos que antecederam o arranque do jogo que daria o título aos portistas.

Terá sido este incidente o “rastilho” para um alegado plano traçado por Renato, Marco, outros membros da família e amigos destes, um grupo de sete arguidos acusado neste processo pelo homicídio de Igor Silva. As duas facções já tinham protagonizado cenas de pancadaria na noite de Porto e Queima das Fitas, com Marco e Renato a alegarem que foi Igor Silva a munir-se de duas facas para os atacar. Uma narrativa que a namorada da vítima contradisse esta quinta-feira.

“O Renato tirou uma faca – acho que do casaco – e esfaqueou o Igor. Era uma faca com cerca de 13, 14 centímetros, vi a lâmina”, relembra Ana Sofia Sousa, admitindo que “bloqueou” assim que viu o namorado ser esfaqueado, não elucidando o tribunal sobre mais detalhes do ataque.

“Espeta-lhe a facada no peito”

A grande maioria dos detalhes foram perdidos para a confusão da festa que reuniu dezenas de milhares de adeptos nas imediações do Está do Dragão, mas foi possível recolher esta quinta-feira um segundo relato relativo a uma das facadas que vitimou Igor Silva. Márcio Teixeira assumiu-se perante o tribunal como não tendo qualquer relação de amizade com qualquer dos lados, quer com a vítima quer com os arguidos. Conhecia todos os intervenientes “apenas de vista”.

Esta testemunha garante que Renato e Marco perseguiram Igor na Alameda do Dragão, dizendo que o filho de “Orelhas” estava armado com uma faca de grandes dimensões. A vítima era perseguida por um grupo de pessoas, mas Márcio apenas consegue identificar pai e filho. Ainda assim, tem uma certeza, quando relembrado dos 17 ferimentos que ainda estão por explicar. “Doutora juíza, a facada que eu vi é a última. Se há 18 facadas, foram dadas antes. Depois da última facada, alguém lhe deu um chuto na cabeça”, prosseguiu, não conseguindo também precisar o responsável pela agressão.

Também no caso de Márcio os advogados de defesa recuperaram as primeiras declarações às autoridades, apenas dias após o homicídio. Nestas alegações, a testemunha diz que o incidente ocorreu em contexto de perseguição. Esta quinta-feira, disse que o ataque foi feito em contexto de cerco, sem possibilidade de fuga. Outra das contradições prendeu-se com um suposto murro desferido por Marco Gonçalves a Igor.

Esta sexta-feira, regressa o julgamento ao Tribunal de São João Novo, prosseguindo-se com a inquirição de testemunhas. No total, sete pessoas respondem em tribunal pela morte de Igor Silva: Renato Gonçalves, Marco Gonçalves, Paulo Cardoso, Diogo Meireles, Miguel Pereira, Rui Costa e Sérgio Machado. A mulher e a filha de Marco "Orelhas", Marisa Santos e Iara Gonçalves, respectivamente, são julgadas por ofensas contra uma jovem, alegadamente agredida durante a alteração.

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