O discurso anti-LGBTI está a crescer na UE — e alguns políticos são culpados

Relatório da Ilga Europa assinalou discurso de ódio de políticos em 32 países. “Ideologia de género” e instrumentalização de crianças são das principais formas de difundir violência transfóbica.

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O discurso anti-LGBTI está a "aumentar a um nível alarmante" na União Europeia, particularmente com o surgimento de discursos transfóbicos de políticos. É isto que nos diz o 13.º Relatório Anual da Situação de Direitos Humanos de Pessoas LGBTI na Europa e Ásia Central, da Ilga Europa, que assinalou discurso de ódio de políticos em 32 países durante 2023, 21 destes membros da União Europeia.

O discurso homofóbico e transfóbico foi registado em 21 de 27 países da UE, incluindo Portugal.

O relatório dá conta do momento em que um grupo de jovens conservadores invadiu uma missa organizada pela comunidade católica LGBTI na Igreja de Nossa Senhora da Encarnação, na Ameixoeira, durante a Jornada Mundial da Juventude, e o caso de vandalismo de obras de uma exposição sobre o ódio à comunidade LGBTI numa igreja em Évora, como exemplos de acções perpetradas contra a comunidade LGBTI.

Também as marchas de orgulho gay se tornaram alvos de ataques em países como a Áustria, onde houve uma ameaça de bomba, mas também França, Itália ou Polónia, entre outros; os símbolos LGBTI, como as bandeiras, foram vandalizados ou queimados na Bélgica, Alemanha ou Espanha. Houve assassinatos de ódio na Arménia, Azerbaijão, Grécia, Itália, Rússia, Sérvia, Espanha e Turquia.

Uma tendência geral é a instrumentalização de crianças para discursos transfóbicos e anti-LGBTI. O relatório alerta para as forças de extrema-direita, que procuram limitar a educação sexual e criar oposição ao acesso de crianças trans a cuidados médicos, difundindo a ideia de que é essencial limitar a informação, chamando-lhe “ideologia de género” — termo usado pela direita radical populista, incluindo a portuguesa, para atacar estudos e questões de género.

Olhando concretamente para Portugal, o relatório destaca um aumento de 185% de conteúdo anti-LGBTI nas redes sociais, registado entre 2019 e 2022. Grande parte centra-se especificamente neste conceito de “ideologia de género”. Um outro estudo, partilhado pela Ilga Portugal, mostrou que, de 164 denúncias de comentários anti-LGBTI, as redes sociais apenas removeram 37. Por não ir mais longe nas políticas, em 2023, Portugal saiu do top 10 do ranking de direitos das pessoas LGBTQ, apesar de ter mantido a pontuação do ano anterior no Mapa Arco-Íris da Ilga Europa, que conta com 49 países.

Daniela Bento, presidente da Ilga Portugal, aponta ao P3 que “o discurso de ódio está muito presente” no país, o que “leva muitas pessoas a pedirem ajuda” na plataforma de denúncia que a associação disponibiliza. “Não só pedidos de ajuda pelo discurso de ódio, mas também porque ficam sem casa ou não conseguem ter nos ambientes familiares um espaço seguro.”

Mas se em países como a Lituânia, Polónia e Eslováquia houve algumas alterações no sentido de limitar a educação sexual, o oposto também aconteceu e é realçado no relatório: em Portugal, por exemplo, foi feito progresso na inclusão de temas relacionados com a orientação sexual e identidade de género nas escolas. A Comissão para a Igualdade de Género lançou o manual O Direito a Ser nas Escolas, com orientações destinadas a professores e não-docentes, com o objectivo de criar uma escola mais inclusiva.

Foi também aprovada pelo Parlamento a lei da autodeterminação de género, que previa que os alunos pudessem mudar o seu nome e género nos documentos administrativos, bem como aceder a casas de banho e balneários de forma a garantir o seu bem-estar, sendo-lhes assegurada privacidade, mas a lei acabou por ser vetada pelo Presidente da República, no final de Janeiro.

O relatório deixa um alerta: os discursos anti-LGBTI, aliados a leis que ponham em causa direitos, estão a ter impacto nos níveis de suicídio e saúde mental. Dos 54 países que figuram no relatório, apenas em seis deles não foi reportado qualquer tipo de crime de ódio em 2023: Andorra, Liechtenstein, Luxemburgo, Mónaco, Macedónia do Norte e San Marino. A Ilga Europa diz que "é difícil explicar" se se deve a falta de monitorização.

Organizações e grupos não-governamentais sinalizaram 1016 crimes anti-LGBT, em 35 estados, durante o ano de 2022. Foram 602 ataques violentos contra pessoas, 332 ameaças e 82 ataques contra propriedade. “As pessoas trans estão particularmente em risco de violência física. Os ataques físicos tendem a acontecer perto de marchas de orgulho gay”, lê-se no relatório.

“É neste clima que vamos a eleições europeias em Junho. O discurso público está cada vez mais polarizado e violento, especialmente contra pessoas trans e a comunidade LGBTI, que tem experienciado os níveis mais altos e severos de violência em décadas”, lamentou Katrin Hugendubel, da Ilga Europa, citada em comunicado. “Os valores sob os quais a UE foi fundada — respeito pela dignidade humana e direitos humanos, liberdade, democracia, igualdade — estão a ser postos em causa e a sofrer uma ameaça da extrema-direita. Os direitos das pessoas LGBTI estão a ser explorados para dividir sociedades, minar a democracia e os direitos humanos.”

De positivo, assinala-se a introdução do casamento entre pessoas do mesmo sexo na Estónia. Na Suíça, celebraram-se 2200 casamentos LGBTI, depois da introdução em 2022. O relatório refere que há uma “lenta mas consistente” melhoria em países que outrora eram conhecidos por discriminação a pessoas LGBTI. Na República Checa, o apoio ao casamento entre pessoas do mesmo sexo cresceu mais de 40% desde 2019; na Hungria, ao longo dos últimos dez anos, 150%.

A aprovação da lei que criminaliza “práticas de conversão” de pessoas LGBTI, e que entra em vigor a 1 de Março, é um dos momentos importantes que Daniela Bento aponta — também destacado no relatório —, mas lamenta o veto do Presidente da República à lei da autodeterminação de género nas escolas: “Temos de garantir a protecção de todas as crianças, inclusive as crianças trans, que são as que mais correm risco de sofrer de bullying. É importante que as crianças possam ter acesso e autonomia para saberem quem são, porque as crianças sabem quem são, e têm de ser protegidas por isso.”

Quanto à “suposta ideologia de género”, Daniela ressalva que é “importante dar informação correcta”: “Não estamos a doutrinar as crianças, como é dito, apenas lhes estamos a dizer que têm a liberdade para serem quem são na sua plenitude. O que é muito diferente de dizer que têm de ser X ou Y.”

“É preciso pensar no quadro político actual, o que temos de fazer para não perder direitos”, alerta. “Temos de ter muita atenção para que os direitos que tivemos de conquistar não voltem atrás.”

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