Pode uma empresa que se transformou em verbo ser destronada? A resposta é um óbvio "sim".

Não seria a primeira vez que uma empresa dominante era ultrapassada. Na tecnologia, a Nokia é o exemplo clássico.

Mas "pode" é a palavra-chave nas perguntas com que esta newsletter arranca. Como sabe qualquer jornalista que tenha tido de escrever títulos apressados (ou seja, como sabem todos os jornalistas), "pode" é uma palavra mágica que deixa todos os cenários em aberto. É apropriada para o momento.

A Google está numa fase delicada. Desde o lançamento do ChatGPT pela OpenAI, em Novembro de 2022, que se avoluma a percepção de que a empresa foi ultrapassada na corrida em curso pelas tecnologias de inteligência artificial generativa.

(Uma nota: vamos aqui usar "Google" para nomear o conjunto de serviços e produtos que, dentro da Alphabet, estão sob esta designação, o que inclui tudo aquilo que se pensa quando se pensa em "Google": a pesquisa, o Gmail, os mapas e outros serviços online, o YouTube e o sistema operativo Android).

Na altura do lançamento do ChatGPT, foi noticiado que os fundadores Larry Page e Sergey Brin acorreram aos escritórios da empresa, tal foi a dimensão da ameaça que a Google via na ferramenta. Percebe-se: uma tecnologia que é capaz de conversar com o utilizador e de assumir um papel de assistente pessoal (ou, até, de colega de estudo ou de trabalho) é uma ameaça ao funcionamento mais tradicional de um motor de busca. A Google anda há anos a tentar que o motor de busca responda de forma cada vez mais natural às perguntas e motivações dos utilizadores (alguém que faz uma busca por "pizza" não está à procura da etimologia da palavra, mas das pizzarias mais próximas) e eis que, de repente, surge uma ferramenta que é capaz de nos entender quase como um outro humano entenderia.

A Microsoft soube aproveitar o entusiasmo e incluiu a tecnologia da OpenAI em muitos dos seus produtos, incluindo o Office e o pouco usado motor de busca Bing. A Google respondeu com um lançamento apressado do chatbot Bard. Mas rapidamente se percebeu que o Bard não estava pronto para chegar ao público – e acabou por mudar de nome para Gemini. Os últimos dias não correram bem. 

Na semana passada, imagens criadas pelo Gemini motivaram controvérsia nas redes sociais. Era um desfecho inevitável para uma ferramenta que, quando lhe foi pedida a imagem de um soldado alemão em 1943, gerou a imagem de um homem negro num uniforme nazi. Também se recusou a criar imagens de pessoas brancas, mesmo quando isso lhe foi especificamente pedido. A funcionalidade de criação de imagens acabou por ser suspensa

Compare-se este episódio com o anúncio recente do Sora, o sistema de geração de vídeos da OpenAI, e percebe-se que a Google tem problemas em mãos, incluindo o da percepção pública (o Sora, é verdade, ainda não está disponível e foram apenas mostrados alguns vídeos, provavelmente seleccionados entre os melhores que a ferramenta foi capaz de criar). 

Ainda o imbróglio das imagens do Gemini não arrefeceu e surge nesta segunda-feira a notícia: a Microsoft fez uma parceria com a Mistral, a startup de inteligência artificial francesa, que tem apenas dez meses e que é a mais promissora startup europeia no sector. Também há poucos dias foi noticiado que a OpenAI está a trabalhar numa ferramenta de pesquisa na Web para concorrer com a Google.

Estamos a caminhar para um mundo pós-motor de busca? Vamos deixar de "googlar"? Muito provavelmente. Mas nem isso acontece de repente, nem os acontecimentos recentes significam que a Google não fará parte deste novo mundo. 

A Alphabet apresentou há um mês resultados que desapontaram Wall Street (que tende a entusiasmar-se e desiludir-se ao ritmo de paixões adolescentes), mas que mostram um crescimento transversal. No último trimestre:

  • a facturação cresceu 13%, para 86 mil milhões de dólares;
  • as receitas com a publicidade no motor de busca e outros serviços aumentaram também 13%, para 48 mil milhões;
  • os anúncios no YouTube renderam 9200 milhões – mais do que toda a facturação da Netflix no mesmo período. 

A empresa tem dimensão e recursos suficientes para atravessar uma tempestade. Já vimos isto acontecer com empresas gigantes, como a Microsoft e a Meta. "Demasiado grandes para falhar" não é uma má descrição para estas tecnológicas.