Os números raramente mentem, costumam ser robustos e fazem-nos muitas vezes chocar de frente com a frieza dos factos. Esta semana foram conhecidos os do sector da cortiça, e imaginem que as exportações de rolhas valem tanto como as dos vinhos. Sim, só a exportação de rolhas, não o total do sector, vale tanto como o tal crescimento extraordinário das exportações dos vinhos portugueses de que tanto se tem falado nos últimos anos. 

E se olharmos ao investimento que tem sido feito na promoção externa dos nossos vinhos, esse sim extraordinário, com a multiplicidade de eventos e a presença em feiras internacionais dos vários organismos, das comissões regionais de viticultura, das marcas e empresas, e os correspondentes fluxos de fundos de apoio, a conclusão não pode ser outra senão a de que nem tudo vai bem na venda e exportação dos nossos vinhos. 

É como se andássemos a desvalorizar o vinho, a vender apenas rótulos, rolhas e garrafas. Que também custam dinheiro. É a adopção institucional da caricatura que usamos entre amigos quando alguém se vangloria de ter comprado uma garrafa de vinho reserva por dois ou três euros. E quanto custou o vinho? Pergunta-se, ridicularizando a opção de comprar um vinho sem valor comercial. 

A questão é que é mesmo isso que, como país produtor, andamos a fazer nos mercados internacionais. A investir para vender vinhos aos quais retiramos qualquer valor comercial significativo.

Ora vejamos. Mesmo depois de ter vindo crescer paulatinamente nos últimos anos, o valor médio das exportações de vinho voltou a crescer no último ano, sendo de 2,90€ por litro. Quer isto dizer que cada garrafa (0,75l) de vinho exportado rendeu em média menos de 2,2€. Ou seja, o tal preço que ridicularizamos por cá, mas acrescido dos custos das operações de exportação e dos tais investimentos extraordinários na promoção externa.

No total, "depois de seis anos consecutivos a crescer e a bater máximos históricos" as exportações de vinho atingiram 928 milhões de euros, e a ViniPortugal, na sua proposta de plano estratégico, propõe-se "chegar aos 1,2 milhões de euros até 2030, subindo o preço médio para 3,19 euros por litro." 

Enquanto isto, as exportações de cortiça chegaram no ano passado aos 1,232 milhões de euros, sendo que só por si as rolhas ultrapassaram pela primeira vez o valor de 900 milhões de euros. Que isto dizer que se juntarmos a exportação indirecta - as rolhas que vão nas garrafas dos vinhos que exportamos – temos que o valor das rolhas exportadas se equipara, ou pode até mesmo ultrapassar, aos 928 milhões das exportações de vinho.

É certo que Portugal domina o panorama da transformação de cortiça. Representa cerca de metade da produção mundial e, só por si, o Grupo Amorim concentra à volta de 35% da transformação mundial. O rigor dos factos obriga também a dizer que as exportações têm crescido de forma sustentada, que também o valor médio vem crescendo, assim como a visibilidade e o reconhecimento da qualidade e potencial dos vinhos portugueses.

Obrigatório é reconhecer também que, apesar de tudo, o panorama não difere muito de outros países. Sobretudo se olharmos para Espanha aqui ao lado, que é o maior exportador mundial, mas vende cada vez mais barato e já abaixo do preço português.

O grande problema, como por cá se disse, é que é tudo poucochinho e com o mal dos outros todos nos aguentamos. E se o país está a produzir vinhos cada vez melhores, mais reconhecidos e valorizados, vale a pena apostar sobretudo na venda e promoção desses segmentos. São eles que podem puxar pelo preço e pela valorização do sector.

E, presume-se, mais importante que vender mais, será mesmo deixar de se vender sem valorizar o vinho, que é o mesmo que vender ser ter em conta os custos da produção.

No fundo, fica a ideia de um sector vítima da canibalização na luta pelos preços, uma ausência de foco nos propósitos e objectivos, e uma grande ineficiência na acção. Olhando para os números e a comparação de sectores, dá até vontade de brincar e perguntar se não seria mais eficiente centralizar a exportações dos vinhos e entregar tudo nas mãos da cortiça.

Esse sector sim, tem grande prestígio, domina o mercado e gera cada vez maior valor.