Como as universidades portuguesas podem combater a crise climática através do prato

O factor de intervenção que as nossas instituições de ensino têm ignorado de forma persistente é precisamente aquele que mais peso tem na nossa pegada ambiental: os hábitos alimentares.

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Megafone P3: Como as universidades portuguesas podem combater a crise climática através do prato Pexels/ Julia Filirovska
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Desde os tempos ancestrais da Bolonha ou Coimbra pré-renascentista, que as universidades são consideradas pilares de progresso e inovação no conhecimento, pois é nestas instituições que os indivíduos são capacitados para actuar de forma especializada num dado campo científico, e munidos dos instrumentos para produzir ainda mais conhecimento. O que por vezes fica mais esquecido é a responsabilidade de, para além de serem espaços de ensino por excelência, serem também espaços de disrupção, ao facilitarem o processo de construção de uma diferente visão do mundo e ao promoverem um comportamento mais alinhado com os pilares da sustentabilidade e ética.

Em Portugal, temos já alguns bons exemplos de instituições académicas que tomam iniciativas de âmbito ecológico. A Universidade de Aveiro tem sido líder no que toca ao cálculo da pegada ecológica, contribuindo não só para a medição da pegada dos municípios, como também pioneira na adopção de uma calculadora da pegada ecológica das universidades. E também de destacar são os esforços da Universidade de Coimbra, a 29.º instituição académica mais sustentável do mundo e a mais amiga do ambiente em Portugal, sobretudo devido às suas iniciativas louváveis na área do combate ao desperdício alimentar nas cantinas, e também pela integração de critérios de sustentabilidade ao nível de aquisição de produtos alimentares usados nas refeições das cantinas.

Mas estes são ainda compromissos mornos, pouco ousados, que não fazem jus à urgência de uma postura mais interventiva. Porquê? Vamos partir da premissa que as instituições académicas em Portugal reconhecem a importância de alinhar os nossos valores e comportamentos com as prioridades climáticas. O mais lógico seria pensar que as universidades portuguesas estão empenhadas em reduzir a sua pegada ecológica, e a de todo o seu corpo de docentes e alunos, ao priorizar a adopção de medidas que são consideradas as mais eficientes, e ao se focarem nos factores que mais contribuem para essa pegada, sobretudo se o seu custo de adopção for baixo.

Surpreendentemente, porém, o factor de intervenção que as nossas instituições de ensino têm ignorado de forma persistente é precisamente aquele que mais peso tem na nossa pegada ambiental: os hábitos alimentares.

De forma quase irónica, isto é um facto apurado por uma das instituições de ensino superior portuguesa de prestígio, a Universidade de Aveiro, que num estudo em parceria com a organização ambiental ZERO e a Global Footprint Network, apurou que os padrões alimentares são o factor que mais contribui para a pegada dos portugueses — cerca de 30% —, em contraste com o sector de todos os transportes, que contribui para cerca de 19 a 23% da pegada. Produziram a evidência científica, porém, falta-lhes alinhar as suas políticas institucionais com essa mesma evidência.

Outras entidades internacionais de renome chegaram a conclusões semelhantes, como o Painel Intergovernamental para as Alterações Climáticas ou o grupo EAT-Lancet, tendo ambos publicado relatórios em que estabelecem que a crise climática está profundamente interligada com o actual sistema alimentar fortemente dependente da actividade pecuária, cuja produção é altamente ineficiente, e apontando que é fundamental operar-se uma redução no consumo de proteína animal para atingir metas climáticas.

Em boa verdade, a Universidade de Coimbra tem-se destacado positivamente na forma como se posiciona face a esta evidência científica e recomendações internacionais, talvez merecendo em parte o cognome que lhe foi dado de universidade mais sustentável de Portugal.

Em 2019, o reitor desta universidade, Amílcar Falcão, num admirável exercício de cidadania universitária, anunciou que pretendia remover a carne de vaca do menu das cantinas universitárias a partir de Janeiro de 2020, para atingir neutralidade carbónica até 2030, e justificou-o dizendo que “vivemos um tempo de emergência climática e temos de colocar travão nesta catástrofe ambiental anunciada”. Salientou, ainda, o papel dos líderes mundiais de zelar pelas gerações futuros, pelos nossos filhos e netos, através de pequenos gestos. Nisto teve o apoio da comunidade e associação de estudantes, mas não tardou a levar um bom raspanete da indústria, com a bitola do costume de quem confunde educação por imposição, mas manteve-se firme.

A dar-lhe razão, um artigo recente da revista científica Lancet, de 2023. Os co-autores destacam que as universidades poderiam contribuir de forma significativa para o combate às alterações climáticas através de simples mudanças nos seus refeitórios, incentivando à troca da proteína animal pela proteína vegetal, o que também lhes permitiria reduções significativas nos seus custos financeiros.

Os cientistas co-autores do estudo da Lancet sugerem algumas das medidas simples que podem ser imediatamente adoptadas, nomeadamente, garantir que as universidades têm sempre à disposição várias opções de refeições de base vegetal saudáveis, apelativas e de baixo custo, desenvolver campanhas educativas baseadas em infográficos, criar incentivos de preços diferenciais, ou até mesmo a adopção de uma política institucional que favoreça a proteína vegetal, como através da implementação de um dia sem carne ou peixe, apostando em leguminosas; e alguns estudos corroboram o impacto desta medida, mostrando que a redução da pegada carbónica pode ser de cerca de 23,6% por cada dia que é implementada.

Um exemplo concreto deste tipo de mudança é a Universidade de Erasmus, em Roterdão, nos Países Baixos, que acolheu de braços abertos uma petição dos seus estudantes que pedia que todas as refeições no campus universitário fossem de base vegetal, até 2030. E noutras instituições académicas no mundo têm sido também os estudantes a exigir políticas mais resolutas, como é o caso da Universidade do Kent (Reino Unido) ou de Stirling (Escócia).

Por cá, o programa Prato Sustentável da Associação Vegetariana Portuguesa tem sido pioneiro na introdução de ementas de base vegetal, iniciativa que espera que alguma universidade portuguesa esteja disposta a acolher. Aliás, uma carta aberta com o mote “Alimenta a Mudança”, assinada por mais de 700 pessoas da comunidade académica portuguesa, muitas delas estudantes, professores ou investigadores científicos, pede isso mesmo: que comecemos por pequenos passos. Um deles poderia ser servir exclusivamente refeições com proteína vegetal pelo menos um dia por semana. Que reitor universitário que estará disposto a liderar o caminho para o futuro?

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