O voto útil não é solução para nada

Para uma alternativa à extrema-direita, é necessário ser uma alternativa ao sistema. Um movimento antifascista só poderá ser bem-sucedido se tiver no seu centro uma crítica anticapitalista forte.

Foto
Megafone P3: O voto útil não é solução para nada Pexels/ Element Digital
Ouça este artigo
00:00
04:01

A estratégia mais apoiada contra a extrema direita tem sido a de criar uma dicotomia: todos contra o partido fascista. As recentes eleições alemãs na Turíngia, uma região federal do leste da Alemanha, ilustram bem o que isto implica. No final do último mês, todos os partidos apoiaram o partido do centro-direita, a CDU, contra a extrema-direita, a AfD. Apesar do centro-direita ter ganho, apenas o fez com 4,8% de diferença. Na mesma semana o caso foi feito nos media: "A única solução contra a AfD é o voto útil".

O mesmo acontece nas manifestações contra o fascismo que tem tido grande adesão na Alemanha. Nestas manifestações, vão discursar representantes de vários partidos, dos neoliberais, aos partidos e grupos de esquerda, passando pelo centro. Um dos pedidos é ilegalizar a AfD, medida que, ao ser discutida durante meses sem grandes consequências, só tem contribuído para reforçar a dinâmica de um partido isolado, uma alternativa a tudo o resto.

Porque é que isto é uma tática errada? O meu argumento central é que, com isto, os partidos da extrema-direita são capazes de se tornarem, aos olhos da população, a única alternativa ao discurso político e mediático convencional do grande centro. Discurso esse completamente desfasado das demandas populares por uma vida melhor. Isto é um erro que temos que evitar a todo o custo.

Esta dinâmica fica ainda mais perigosa quando este ‘bloco contra a extrema-direita’ faz apelos ao voto útil — reforçando um debate entre os partidos do centro, que representam as insuficiências do presente, e a suposta alternativa representada pela extrema-direita. A história avisa. Veja-se o exemplo de Paul von Hindenburg, presidente da República de Weimar. Apoiado por vários partidos principais, incluindo os sociais-democratas alemães, ganhou as eleições e era tido como a única esperança para fazer frente a Adolf Hitler. Mais tarde, o próprio nomeou Hitler para chanceler e atendeu ao seu pedido de dissolver o parlamento, resultando numa maioria parlamentar de extrema-direita.

Num passado mais recente, veja-se o apelo ao voto útil contra a extrema-direita pelo Partido Socialista português nas últimas eleições de 2022. Não só destruiu os partidos de esquerda como não impediu um crescimento da extrema-direita. O motivo é claro: uma incompetência social e política do PS, incapaz de justificar que o voto nele em vez do voto na extrema-direita valeu a pena.

Nos EUA, com o regresso de Trump, começam a surgir sinais de que o atual presidente Joe Biden também não conseguiu fazer um bom trabalho nesse sentido. A extrema-direita está a atuar como um mecanismo que tem como objetivo salvar o capitalismo de sua própria crise, conforme previsto. E, por outro lado, preservar a ideia de um estado nação, uma fortaleza fechada, com um nacionalismo que sirva de base para manter a sua posição privilegiada no globo. Com isso surgem campanhas políticas como "America first", "Prima l’Italia", "Brexit", "Deutschland. Aber normal".

Um centro incapaz de manter a estabilidade social, económica e política, sem um projeto de resposta eficaz a várias crises, gera um grande descontentamento na população. O capitalismo, ao tentar lidar com as suas crises inevitáveis, procura outras formas de ser popular. Se a ascensão do fascismo é a expressão da crise social do capitalismo, a estratégia só pode passar por atacar a raiz do problema.

Para construir uma alternativa à extrema-direita, é necessário ser principalmente uma alternativa ao sistema. Neste sentido, um movimento antifascista só poderá ser bem-sucedido se tiver no seu centro uma crítica anticapitalista forte, que responda às desigualdades sociais acentuadas pelos partidos no poder. A solução necessária a tudo isto é então um projeto radical como uma alternativa ao centro. A extrema-direita é o antídoto à formação de um movimento de massas da esquerda anticapitalista. É o sistema imunitário do capitalismo. A esquerda tem de ser uma alternativa ao centro e isso também implica distanciar-se dele a todo o custo. Procurando assim uma aliança com a população e com os trabalhadores, em vez de uma aliança direta ou indireta com partidos liberais.

Sugerir correcção
Ler 4 comentários