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As mãos que moldam os cornos, que são o Entrudo de Lazarim
Pela primeira vez, a organização criou um mapa para vermos os artesãos com as mãos no amieiro. No domingo, houve festa diabólica e queima do Burro Velho. Na terça, encheu-se a vila para ver os caretos e a Leitura dos Testamentos.
De uma forma ou de outra, os toros de madeira fazem parte da paisagem dos vales de Lazarim, das matas cobertas de musgos e dos socalcos verdejantes desenhados por quem em tempos idos os soube desenhar. Estão ora encostados aos pares nos alpendres ora empilhados nos cobertos ao lado dos gravetos que irão atiçar a lareira nas noites frias. E os eleitos encaixam-se entre os pés dos artesãos com o destino traçado, primeiro a lápis, depois a canivete, formão e goiva, de pais para filhos, geração após geração, máscaras de madeira que lhes brotam das mãos, cornos hirtos e bicudos ou entrelaçados, línguas arreganhadas, caretos e senhoritas, eles e elas, em silêncio entre a multidão eufórica, máscaras esculpidas com guarda-roupa inusitado, autóctone, extraído também ele da paisagem, das árvores e das plantas de cultivo e de sustento.
Semanas antes do Entrudo, os habitantes da vila — pouco mais de 400, segundo os Censos de 2021 — arregaçam as mangas e começam os preparativos, as mulheres costuram e tecem as novas fardas que parecem vivas enquanto os artesãos desenham as suas ideias de bichos e de seres bizarros de traços zoomórficos nos pedaços de amieiro, que se dá junto aos rios e zona húmidas. "Este ano, já fiz 30! E o meu filho, oito", exibe José Cabral, um dos pupilos do "senhor Afonso", que faleceu perto dos cem anos e que já dizia que "uma máscara sem cornos não tem piada". Leva quatro dias de volta de cada máscara. Uma semana "se tiver os cornos traçados". Depois de a madeira bem seca, cada máscara, presa com fios ou cordas à volta do seu careto, pesa à volta de dois quilos.
A segunda-feira aparenta ser o dia mais tranquilo dos quatro do programa de festas. Trabalha-se afincadamente a narrativa nas oficinas, abertas pela primeira vez em uníssono pela organização, permitindo aos visitantes conhecer a seu tempo e passo os criadores do Entrudo de Lazarim, "o mais genuíno de Portugal", aquele que no domingo, de uma forma altruísta, convida para uma grande festa outras trupes de caretos de outros recantos de Portugal num celebração diabólica que termina com a queima do Burro Velho em praça pública. No dia seguinte, enquanto muitos descansam da folia, os visitantes, de mapa na mão e autocolantes a preencher os espaços vazios, visitam as oficinas dos criativos à procura das histórias que fazem esta arte.
Terça-feira gorda. Enche-se a vila como nunca. De ano para ano, há uma maior afluência de forasteiros curiosos e sedentos pelo contacto com o tempo de tradições antigas. Ouve-se o ribombar dos tambores e vão todos. Lançam-se num corrupio os mascarados, demónios e figuras grotescas de — poucos — gestos teatrais improvisados que entre as ruelas acompanham o compadre a a comadre, que acabarão por ser queimados depois de declamados os respectivos testamentos, redigidos em secretismo pelos jovens solteiros da vila e visando a expurga dos males da comunidade e o regresso a um novo ciclo de prosperidade. Venham de lá os caldos de farinha e feijoada confeccionados num círculo de potes de ferro.