O neoliberalismo corrói a democracia

A vulnerabilidade da maioria dos cidadãos está a provocar uma erosão da confiança nas instituições. O crescente apoio a movimentos de extrema-direita, em todo o mundo, é um dos “sintomas mórbidos”.

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Um dos mais reputados economistas mundiais, Daron Acemoglu, professor no MIT, nos EUA, tem defendido que são essenciais para os regimes democráticos fatores como o bem-estar económico da população, os níveis de desigualdade e a consolidação das instituições políticas.

Nas últimas décadas, temos vindo a assistir a uma clara deterioração dos dois primeiros fatores, com impactos consideráveis na confiança em torno das instituições existentes, a nível mundial.

De facto, os cidadãos têm sido afetados por uma multiplicidade de crises que degradam a sua qualidade de vida. No dito mundo ocidental assistimos a uma estagnação e até a reduções acentuadas dos salários reais, enquanto se consolida uma fragmentação e uma dispersão da identidade laboral, acompanhada por um esmagamento dos direitos laborais. A ideia de um “trabalho para a vida” foi substituída por uma maior aleatoriedade, com uma crescente plataformização laboral (ideia desenvolvida pelo historiador Fernando Rosas), onde o presente de cada um depende, crescentemente, de um qualquer algoritmo. Uma vida na qual se tem de escolher entre “pagar a renda ou comer”. Estes fatores resultam numa maior precariedade e vulnerabilidade na vida de todos nós.

A evolução aqui descrita deve-se ao aprofundamento da ordem económica vigente, o neoliberalismo – “um projeto sempre incompleto, que busca encontrar soluções políticas para subordinar a atuação dos poderes públicos à promoção da concorrência mercantil em áreas crescentes da vida social”, segundo o economista político João Rodrigues (O neoliberalismo não é um slogan, edições Tinta da China), que nas últimas décadas tem provocado um deslaçamento das relações sociais. A resposta às policrises estruturais que afetam, de forma cada vez mais recorrente, o sistema económico tem sido uma intensificação dos processos neoliberais, resultando num aumento crescente das desigualdades económicas e sociais como têm demonstrado autores como Thomas Piketty , da insegurança laboral e da instabilidade geopolítica.

Uma análise atenta facilmente nos leva a concluir que o resultado tem sido uma degradação acelerada da confiança nas instituições vigentes que sustentam as democracias, com um aumento dos perigos que ameaçam os sistemas democráticos. Um “sintoma mórbido” disso mesmo, na expressão gramsciana, é o espetro que ameaça o chamado Ocidente, com o crescimento e fortalecimento de partidos de extrema-direita, onde a população procura a ordem no meio do caos, seja nos Estados Unidos da América ou na Argentina, ou aqui ao lado em França, Alemanha, Itália, Hungria, Países Baixos, na Escandinávia, na Argentina e até em Portugal e Espanha.

A existência desta ameaça é cada vez mais consensual, mas é fundamental reconhecer que as suas causas estão assentes em fatores económicos e políticos. Esta evolução não é uma tragédia inevitável, deve-se às dinâmicas estruturais da ordem neoliberal, iniciada nos anos 80 do século passado.

Em suma, a deterioração dos fatores fundamentais para a manutenção das democracias, como apontado por Daron Acemoglu, exige uma reflexão profunda sobre as políticas económicas e sociais, que devem proceder a uma redistribuição de privilégios e poderes de forma a dar prioridade ao trabalho como fator de progresso, de identificação e de inclusão política e económica. Só assim conseguiremos reverter o atual declínio e construir bases mais sólidas para a democracia e para o bem-estar coletivo.

O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico

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