Xiongan, o plano pessoal de Xi Jinping para uma cidade do futuro na China

Para responder ao congestionamento de Pequim, onde vivem quase 22 milhões de pessoas, o Governo chinês iniciou em 2017 um plano para deslocar uma parte da capital para uma cidade construída do zero.

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Centro de Convenções de Negócios e Serviços, no coração da Nova Área de Xiong'an N509FZ/Wiki Commons
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Cerca de 100 quilómetros a sul de Pequim, o que até há uns anos eram terrenos agrícolas de uma área subdesenvolvida na província de Hebei são agora os alicerces para um projecto que o Governo chinês classifica como “crucial para o próximo milénio”. Xiongan é a visão do Presidente chinês, Xi Jinping, do que é uma metrópole futurista, capaz de aliviar a pressão demográfica na capital da China.

O projecto foi apresentado em 2017 com pompa e circunstância, visto como uma solução para descongestionar Pequim, casa de quase 22 milhões de pessoas, ao descentralizar para Xiongan instituições como universidades, centros de investigação e tecnologia e empresas de sectores da economia que não sejam relevantes para a gestão do país.

Embora seja um plano discutido há décadas na China, a ideia foi abraçada por Xi Jinping. Para além de sublinhar a importância “milenar” do projecto, o secretário-geral do Comité Central do Partido Comunista Chinês vincou a necessidade de garantir que a cidade será capaz de “resistir ao teste da história”. A Nova Área de Xiongan, como é chamada, foi pensada como um satélite ecológico, digital e ultramoderno da capital chinesa. É o pilar fundamental para a consolidação do triângulo económico Pequim-Tianjin-Hebei, um projecto estratégico chinês para unir as três cidades e formar o megacentro urbano Jing-Jin-Ji.

O plano para Xiongan é comparado ao desenvolvimento da zona económica de Shenzhen, edificada há quatro décadas em cima de uma aldeia piscatória e actualmente a terceira cidade mais populosa do país, atrás de Pequim e de Xangai.

Mais de seis anos depois da apresentação do projecto, a sua construção ainda está numa fase inicial. O jornal espanhol El País descreve a área como “um daqueles jogos em que as crianças constroem casas num tabuleiro”, com grelhas de construção, gruas e camiões de cimento “por todo o lado”. Em Maio de 2023, o britânico The Economist dizia ser difícil “discernir os contornos futuros da cidade”, com a região a “parecer mais um estaleiro de construção do que uma cidade ao nível de Shenzhen”, apesar de alguns projectos já concluídos, como a auto-estrada para Pequim, alguns quarteirões de habitação ou a estação para receber os comboios de alta velocidade.

A estação, inaugurada em 2020, é uma boa representação do que a China pretende que Xiongan seja. É a maior estação de comboios da Ásia, com 140 mil metros quadrados, com uma arquitectura futurista e telhados cobertos de painéis solares.

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Fachada oeste da estação de comboios de Xiong'an, em 2020 N509FZ/Wiki Commons

No entanto, reflexo de uma cidade ainda em construção, que à volta da estação ainda tem mais gruas que edifícios acabados, está vazia. O projecto atraiu muita atenção aquando da apresentação, mas as instituições têm resistido à relocalização, apesar da insistência de Xi Jinping em acelerar o processo.

O Presidente chinês viajou de comboio até Xiongan em Maio do ano passado para avaliar a empreitada, defendendo aí que o plano de alteração de organização demográfica de Pequim é “inteiramente correcto” e descrevendo os progressos da construção como “milagrosos”. Na altura da visita, os meios de comunicação chineses reforçaram que o líder continua pessoalmente envolvido no projecto.

Projecto megalómano

O empenho de Xi Jinping contrasta com o cepticismo existente à volta do projecto megalómano, com os mais críticos a considerarem irrealista a comparação da visão de Xiongan com a criação de Shenzhen ou de Pudong, a área financeira de Xangai que foi construído na zona menos desenvolvida do distrito. Argumentam que esses dois planos visavam um ambiente orientado para o fomento do mercado, atraente para empresas estrangeiras e nacionais, enquanto o actual está apontado para outros sectores menos dinâmicos, com um olhar para a “prosperidade comum” que afasta investidores e empresários – o plano de Pequim pretende que em 2050 Xiongan seja uma das mais importantes metrópoles do mundo, vista como um protótipo de uma “cidade socialista moderna”, com 70% da sua área reservada para espaços verdes e electricidade provisionada maioritariamente por fontes renováveis.

Atrair pessoas para Xiongan não será o único problema do Governo chinês: a região tem escassez de lençóis subterrâneos de água, que muitas vezes é imprópria para consumo, podendo colocar o fornecimento hídrico em causa. Por isso mesmo, um dos projectos concluídos na cidade é uma estação de tratamento de água, em funcionamento desde 2021 que é uma representação daquilo que é pretendido em relação ao "desenvolvimento de alta qualidade", referia em Abril o especialista em planeamento e urbanismo Andrew Stokols no The China Project. É a primeira de muitas infra-estruturas que servirão a cidade, numa região que, por outro lado, enfrenta ameaças de inundações devido aos rios e às terras húmidas – uma outra preocupação.

A visão está definida e o dinheiro está a ser injectado no projecto, que já custou mais de 657 mil milhões de yuan (cerca de 85 mil milhões de euros) e estará apenas a meio caminho nesse capítulo – a fase de relocalização deve durar até 2035.

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