Somalilândia dá à Etiópia acesso ao mar Vermelho, provocando a ira da Somália

Acordo que permitirá à Etiópia usar o porto de Berbera, situado na região separatista somali, é uma “preocupação séria para África”.

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Muse Bihi Abdi na chegada à Etiópia para assinar o acordo TIKSA NEGERI/Reuters

A Somália garante que vai defender o seu território por “todos os meios legais” e descreve o pacto entre a região separatista da Somalilândia e a Etiópia, dando a este país acesso ao mar Vermelho, como uma “clara violação” da sua soberania. Para já, Mogadíscio chamou o seu embaixador em Adis Abeba para consultas e apelou às Nações Unidas, à União Africana, à Liga Árabe e ao bloco regional IGAD (Autoridade Intergovernamental para o Desenvolvimento) para “apoiarem o direito da Somália a defender a sua soberania e a forçar a Etiópia a aderir às leis internacionais”.

O memorando de entendimento, considerado “histórico” por Adis Abeba, permite à Etiópia acesso a uma base militar e ao mar Vermelho através do porto de Berbera, situado no Norte da região, que em 1991 declarou unilateralmente a sua independência – segundo a DP World, uma multinacional com sede nos Emirados Árabes Unidos que gere Berbera, Adis Abeba teve uma opção para adquirir uma participação de 19% deste porto desde 2018, no entanto, como lembra a BBC, o negócio acabou por cair por terra em 2022 porque o Governo etíope "não cumpriu as condições necessárias para adquirir a participação antes do fim do prazo".

O primeiro-ministro etíope, Abiy Ahmed, celebrou um avanço que “abrirá caminho à realização da aspiração da Etiópia de garantir o seu acesso ao mar e diversificar o seu acesso aos portos marítimos”, ao mesmo tempo que “reforça as suas parcerias de segurança, económicas e políticas”.

Segundo escreveu na rede X Redwan Hussein, conselheiro de Segurança Nacional de Abiy Ahmed, a Etiópia passará a ter acesso a uma base militar alugada no mar Vermelho, “um passo na direcção certa para esta e para as próximas gerações”.

Assinado na segunda-feira entre Abiy ​Ahmed e Muse Bihi Abdi, Presidente da Somalilândia, este pacto é conhecido meses depois de o líder etíope ter afirmado que o seu país deveria “consolidar” o acesso ao mar. Berbera, no golfo de Áden, está à entrada do mar Vermelho e dá acesso ao Canal do Suez. E o anúncio, de surpresa, surge apenas dias depois de a Somália e a Somalilândia terem aceitado reiniciar negociações, sob mediação do Presidente do Djibouti, após anos de bloqueio e de tensões políticas.

Para o ex-Presidente somali Mohammed Abdullahi Mohamed, este desenvolvimento é uma “grande preocupação para a Somália e para toda a África”. Numa declaração ao país, o primeiro-ministro Hamza Abdi Barre pediu calma: “Quero assegurar-vos que estamos decididos a defender o nosso país e que não vamos permitir que violem nem um pedaço da nossa terra, mares e céus”, disse. “Temos de nos unir e esquecer as nossas diferenças para defender a nossa terra, a nossa integridade e soberania.”

Apesar de não ser reconhecido internacionalmente, o antigo protectorado britânico é um Estado de facto onde vários países, incluindo a Etiópia, estabeleceram missões diplomáticas e económicas. Com 4,5 milhões de pessoas, a Somalilândia tem a sua própria moeda, elege o seu Governo e emite os seus passaportes.

Em 2019, na sua busca por apoio para a causa independentista, Muse Bihi Abdi visitou a Guiné-Conacri, a convite do Presidente Alpha Condé (em resposta, Mogadíscio anunciou o corte de relações com a Guiné e declarou que a Somália passaria a controlar o seu espaço aéreo sem o apoio da Somalilândia, renegando um acordo de 2017).

Condé terá sido levado a fazer o convite por Moscovo e incentivou o líder separatista a aprofundar os laços com a Rússia, sugerindo-lhe que Vladimir Putin poderia considerar o apoio a uma Somalilândia independente em troca de uma base militar no país.

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