Masomah Ali Zada, estudante de engenharia, ciclista olímpica e refugiada

A afegã é a nova chefe de missão da equipa de refugiados que irá estar em Paris 2024, sete anos depois de ter entrado na fuga mais longa da sua vida.

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Masomah Ali Zada a pedalar na pista do Monte Fuji durante os Jogos de Tóquio COI
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Masomah Ali Zada é tudo aquilo que o regime do país onde nasceu, o Afeganistão, não tolera. É uma mulher que pensa pela sua cabeça, estudante no ensino superior e desportista olímpica, três coisas que os taliban, de regresso ao poder em 2021, se têm esforçado por suprimir. Foi ela a escolhida pelo Comité Olímpico Internacional (COI) para ser a chefe de missão da equipa dos refugiados nos Jogos Olímpicos de Paris no Verão de 2024. Ali Zada substitui no posto a antiga fundista queniana Tegla Loroupe, que liderou as duas primeiras equipas de refugiados, no Rio de Janeiro 2016 e em Tóquio 2020.

Num mundo em que o número de refugiados aumenta diariamente, esta afegã de 27 anos, que fugiu do seu país de origem em 2017, quer passar uma mensagem de esperança. “É um orgulho para mim representar, não apenas os atletas e a equipa, mas, também, as mais de 100 milhões de pessoas deslocadas no mundo inteiro. Em Paris, teremos a oportunidade de mostrar ao mundo do que os refugiados são capazes e redefinir a forma como o mundo olha para nós”, declarou Ali Zada, citada pelo site do COI.

Não é por acaso que Ali Zada diz “nós” ao referir-se aos refugiados. Ela própria é uma refugiada a viver longe do seu país desde 2017, quando acompanhou a família na fuga mais longa da sua vida, tendo a França, uma das pátrias do ciclismo mundial, como destino final. Porque o Afeganistão, mesmo sem os taliban a liderar, não era um país para uma rapariga que gostava de andar de bicicleta na rua. Ela contava, em 2021, que lhe chegaram a atirar pedras e fruta quando pedalava, com outras raparigas, nas ruas de Cabul.

“Era muito difícil sair à rua com equipamento desportivo. Muitas pessoas achavam que era errado e atiravam-nos pedras e insultavam-nos. Achavam que era contra a nossa cultura e a nossa religião, mas isso não era verdade. Acho que era estranho para eles verem uma mulher numa bicicleta pela primeira vez”, dizia Ali Zada, que nunca deixou de ser muçulmana – sempre que compete, usa um hijab desportivo por baixo do capacete.

Ali Zada tinha sido uma das “estrelas” de um pequeno documentário, produzido em 2016 pelo canal francês Arte, chamado Les Petites Reines de Kaboul (As Pequenas Rainhas de Cabul), que abre com depoimentos de homens a dizerem, genericamente, que as mulheres não podem andar de bicicleta, passando, depois, para a história do treinador de uma equipa feminina de ciclismo que foi raptado e espancado. E, depois, ouvimos a história das irmãs Masomah e Zarah, que aprenderam a andar de bicicleta no Irão, da primeira vez que foram refugiadas. E das outras raparigas que desafiaram os costumes conservadores do país com o simples acto de pedalar.

O caso de Walizadeh

Em França, Masomah teve estradas para pedalar e uma bolsa do COI para integrar a equipa de refugiados que iria estar nos Jogos de Tóquio. Participou na prova de contra-relógio (foi 25.ª em 25 ciclistas) e cumpriu um sonho, o de ser uma atleta olímpica e um símbolo para dezenas de milhões de deslocados. Foi uma de 29 atletas a vestir a camisola branca desta segunda versão da equipa olímpica dos refugiados – em 2016, tinham sido dez.

Ser atleta olímpica não foi a única porta que se abriu a Masomah Ali Zada em França. Está a estudar Engenharia Civil na Universidade de Lille e, em Julho de 2022, passou a integrar a Comissão de Atletas Olímpicos do COI. Agora, tem a responsabilidade de dar a cara por uma equipa que não tem parado de aumentar e que, por força de todos os conflitos que acontecem no planeta, representa cada vez mais gente.

Neste momento, são 62 os refugiados que beneficiam de uma bolsa do COI para se prepararem tendo em vista uma participação nos Jogos de Paris. Estes 62 atletas são de 13 modalidades diferentes, representam 11 nações e estão distribuídos por 19 países. Portugal está envolvido neste programa por via de Farid Walizadeh, pugilista de 27 anos. Este afegão estudante de arquitectura chegou sozinho a Portugal em 2012, proveniente da Turquia, país que tinha sido a sua segunda casa depois de ter saído sozinho do sítio onde nasceu.

Fez uma longa travessia de dois anos, em que passou ainda por Paquistão e Irão. Depois de Istambul, foi Lisboa que o acolheu. Cinco anos depois, passou a ter a companhia da família (a mãe e os irmãos) na vida que, entretanto, tinha construído e que incluía o boxe. Vive e treina na capital portuguesa e já integrou a equipa de refugiados que participou nos Jogos Europeus deste ano.

Quem também se mantém no programa é Dorian Keletela, velocista nascido no Congo que participou nos 100m em Tóquio. Keletela chegou a Portugal em 2016 como refugiado, começou a treinar atletismo no Sporting sob a orientação de Francis Obikwelu, antigo vice-campeão olímpico, e, no Japão, chegou a ganhar uma das pré-eliminatórias, com 10,33s. Três anos depois, Keletela já não vive em Portugal, tendo escolhido Paris como base de treino.

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