Proibir adeptos visitantes no futebol: aplicado em França, mal visto em Portugal

Em Portugal e na Europa há insultos, agressões, confrontos e, em alguns casos, mortes no futebol. Mas vedar o acesso de adeptos visitantes aos estádios ainda não é o caminho – pelo menos em Portugal.

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Jogos de futebol têm sido motivos de violência Reuters/WOLFGANG RATTAY
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Abrir a barra de pesquisa do Google, escrever algo como “confrontos adeptos morte” e carregar no botão de pesquisa. O resultado desta acção é um rol de notícias sobre confrontos e tragédias em eventos futebolísticos e a primeira página de resultados tem ocorrências em vários sítios: Brasil, Grécia, Polónia, Portugal, França e Espanha. Países como Itália, Argentina, Croácia ou Sérvia também são frequentes nestas andanças.

Serve esta rápida pesquisa na Internet para enquadrar o que se passa no futebol – mas bastaria ir a qualquer jogo, dos distritais aos nacionais e dos miúdos aos graúdos, para se perceber que o comportamento das pessoas contra adeptos adversários, árbitros ou até mesmo fãs da mesma equipa é um problema bem actual.

Como resolver? Na Argentina, há muitos anos que a proibição de adeptos visitantes é utilizada com frequência. Em França, a medida também já foi testada mais do que uma vez – a última está actualmente em vigor, até dia 14 de Dezembro.

E em Portugal? Para já, segundo aponta ao PÚBLICO a Autoridade para a Prevenção e o Combate à Violência no Desporto (APCVD), não será uma discussão para ter nesta fase, ainda que a medida esteja legalmente prevista desde Setembro. Mas já lá vamos.

O caso francês

No dia 2 de Dezembro, um adepto do Nantes morreu antes de um jogo frente ao Nice. Os detalhes ainda estão por definir, mas o que se sabe, por agora, é que dezenas de adeptos do Nice estavam a ser transportados para o estádio em veículos TVDE quando o “comboio” de seis carros e duas carrinhas foi abordado por vários homens encapuzados.

Minutos depois, uma pessoa acabou esfaqueada e morta. Segundo a imprensa francesa, tratava-se de um elemento da claque Brigade Loire, do Nantes, tendo as autoridades gaulesas já confirmado que está um motorista de TVDE sob custódia, à espera da acusação de homicídio.

Havendo ou não causa-efeito relativamente ao ataque inicial dos adeptos do Nantes contra a “caravana” de TVDE do Nice, o relevante, sem as conclusões da investigação, é tratar este caso como resultado de rivalidade doentia antes de um jogo de futebol – porque disso existem certezas.

Nessa medida, o Governo francês decretou, em conjunto com as autoridades, que a proibição de adeptos visitantes em jogos de alto risco – medida que afectou, até ver, apoiantes de Lens, Bordéus, Nimes, Auxerre, Toulouse, Reims, Nantes e Marselha.

“Os jogos apresentam um risco real e grave de confrontos entre adeptos (...) com exacerbação da violência cada vez mais grave observada desde o início da época desportiva de futebol”, justificou o Governo.

A associação de adeptos local já anunciou que vai agir judicialmente contra uma medida que crê ilegal.

Governo diz “não”, associação de adeptos não diz nada

Em Portugal, o quadro legal passou a prever, em Setembro deste ano, a possibilidade de aplicar este tipo de medida.

“Em caso de ocorrência de incidentes que tenham causado perturbação séria ou violenta da ordem pública em espectáculo desportivo anterior, provocados por adeptos visitantes, o presidente da APCVD, sob proposta do comandante-geral da GNR ou do director nacional da PSP, pode determinar a impossibilidade de o clube visitado ceder títulos de ingresso ao clube visitante para o espectáculo desportivo seguinte entre ambos”, pode ler-se no artigo 13.º da Lei nº40/2023.

Mas a APCVD não aponta que estejam a ser estudadas medidas sequer semelhantes a esta, até por relevar dúvidas da eficácia da medida.

O motivo é, sobretudo, a necessidade de adequar as soluções à gravidade do problema. “Trocando por miúdos”, quer isto dizer que o Governo, através da APCVD, crê que a violência entre adeptos de futebol não está, em Portugal, num nível de gravidade que justifique medidas tão severas como a proibição de adeptos visitantes.

Em resposta ao PÚBLICO, o organismo diz que respeita as decisões das autoridades francesas, mas argumenta que “cada país enfrenta desafios únicos” e avança que a medida tão drástica, a ser aplicada, poderia até ter efeitos secundários indesejados.

“Tais medidas, motivadas por incidentes envolvendo uma minoria, têm o potencial de generalizar os seus efeitos, afectando um grupo mais amplo de adeptos. Assim, medidas como a proibição de adeptos visitantes, ainda que respaldadas legalmente, devem ser cuidadosamente ponderadas”, explica, em resposta escrita.

O organismo apela ainda à ponderação dos “princípios da necessidade e proporcionalidade” no sentido de medidas deste tipo serem “aplicadas quando estritamente necessário”.

O PÚBLICO contactou ainda a Associação Portuguesa da Defesa do Adepto (APDA), mas a organização, falando de “uma questão que tem várias abordagens”, optou por não elaborar uma argumentação sobre o caso, justificando a decisão com falta de consenso entre os elementos direcção sobre a posição a tomar pela APDA.

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