Um apelo à Procuradoria-Geral da República

Neste processo, “escaparam” informações que, voluntária ou involuntariamente, acabaram por formar uma opinião adversa do primeiro-ministro, com ofensa da sua honra e terrível influência social.

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O que não é útil à colmeia também o não é à abelha
Marco Aurélio

Acredito que a Justiça que todos queremos não é compatível com a situação a que o país tem vindo a assistir, com um primeiro-ministro sob suspeita da forma como o é, um governo em demissão e um desalento que atravessa a sociedade portuguesa.

O Papa Francisco, quando recentemente esteve entre nós, dizia: “Não faltam trevas na sociedade atual, inclusive aqui em Portugal… por toda a parte! Fica-se com a sensação de ter diminuído o entusiasmo, a coragem de sonhar, a força para enfrentar os desafios, a confiança no futuro; entretanto, vamos navegando nas incertezas, na precariedade sobretudo económica, na pobreza de amizade social, na falta de esperança.”

Ora, os recentes episódios e o tal “maldito” parágrafo do comunicado da PGR levam-nos a viver, infelizmente, cada um daqueles estados de alma descritos pelo Papa Francisco, agravados com o segundo comunicado que indicia que tudo isto vai arrastar-se durante anos, como de costume.

Acredito numa Justiça em que se fala mais de condutas retas do que da lei, mais das razões de cada um do que dos tribunais, mais dos momentos de concórdia do que das acusações. Neste caso, não se aponta qualquer comportamento específico ao primeiro-ministro, não se conhece qualquer vestígio de uma qualquer sua atuação criminosa, enquanto, perante isto, uns enaltecem e outros denigrem o trabalho dos procuradores, sem ninguém perceber a objetividade deste confronto.

Acredito numa Justiça que aceita e investiga a denúncia e combate sem tibieza a corrupção, mas não se deixa ultrapassar por meras suposições que possam pôr em causa o bom nome do denunciado. Aqui, os direitos do primeiro-ministro foram completamente varridos por meras hipóteses, nem sequer minimamente expostas.

Acredito numa Justiça assente na ética, que condena a manipulação, as ameaças à dignidade humana e que evita a degradação de conflitos sociais. Neste processo, “escaparam” informações que, voluntária ou involuntariamente, acabaram por formar uma opinião adversa do primeiro-ministro, com ofensa da sua honra e com uma terrível influência social negativa, com o consequente avolumar do descrédito das instituições e dos políticos em geral.

Acredito numa Justiça humilde que preza o culto pela verdade, que não é dissimulada, que não desdenha as pessoas, que convence sem proselitismos e corporativismos, mas que atrai pela sensatez. Foi evidente a divulgação sensacionalista do caso, o confronto entre procuradores, sindicatos e comentadores “juristas” e o desprezo pela presunção de inocência do primeiro-ministro, na qual, aliás, a quase totalidade das pessoas crê, como, diga-se, é o meu caso.

Acredito numa Justiça que é concreta, feita pela positiva, que mede o tempo para a sua aplicação, que não peca pela ausência de informação. O que temos, infelizmente, são alusões vagas e incertas, com uma carga psicológica perturbadora para o protagonista/família a que se dirige.

Acredito numa Justiça que pondera o peso das repercussões sociais das suas decisões nos pratos da balança. Os factos demonstram que não foi perspectivada qualquer consequência das palavras e das diligências levadas a cabo pela PGR. Sentimos que vivemos numa espécie de choldra, como diria o Eça.

Acredito numa Justiça que não tem medo, que sabe o que tem e que não se alicerça em provas que ficciona ou que apenas supõe que eventualmente pode vir a ter. A presente atuação parece-nos pusilânime, sem se vislumbrar para prova qualquer documento ou testemunha.

Acredito na Justiça do discernimento, que protege e é discreta. A que estamos a ver age como um monólito, seduzida pela propaganda e que se assume como a principal protagonista. Tudo isto alimenta a desconfiança e a discussão sem crivo na praça pública.

O apelo que faço à PGR, onde bem sei que é apanágio de quase todos os seus membros, incluindo da senhora procuradora-geral, a busca da clarividência necessária para agir da forma como atrás fiz fé do que julgo ser a Justiça: tem aqui um momento-chave para dizer basta, de forma a retomar o caminho de respeito que deve a si mesma, dando-nos um alento esperançoso para o futuro no julgamento dos objetivos que indubitavelmente sempre prosseguiu.

Espero que o “caso do primeiro-ministro” seja decidido com rapidez para o país poder ter umas eleições sem esta mancha e que também seja o princípio de podermos vir a ter, em vez de uma justiça de suspeitos e de vaidade, uma justiça prudente e eficaz, feita a tempo e horas.

Termino citando Cícero, que, em defesa do poeta Árquias, disse: “Se de nada mais falamos do que do direito de cidadania, nada mais tenho a dizer: a causa está apresentada.”

O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico

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