Morreu Antônio Bispo, quilombola que propôs o contracolonialismo

Autor de A Terra Dá, a Terra Quer não via diferenças entre Lula e Bolsonaro quando o assunto era a mineração em quilombos. Tinha 63 anos.

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O pensador quilombola Antônio Bispo dos Santos dr
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O pensador quilombola Antônio Bispo dos Santos, que se autodefinia como "lavrador de palavras", não resistiu a um ataque cardíaco e morreu neste domingo. Tinha 63 anos.

O filósofo que traduzia nos seus livros o olhar de quem nasceu num quilombo (lugares de refúgio de escravos) ​sobre os modos de habitar e se relacionar com a terra, foi transportado no domingo para o Hospital Estadual Teresinha Nunes de Barros, na cidade de São João do Piauí — a 450 km da capital, Teresina. Já hospitalizado, sofreu duas paragens cardíacas.

Nascido na comunidade Saco do Curtume, no Piauí, Bispo ganhou notoriedade pelo seu papel na defesa dos povos quilombolas, tendo integrado vários movimentos sociais, na década de 1990, como por exemplo a Conaq (Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas).

O pensador, também conhecido como Nêgo Bispo,​ fazia uma comparação entre o modo de vida dos quilombos e o da sociedade brasileira no seu último livro, A Terra Dá, A Terra Quer (Ubu, 2023). Neste, propôs um novo modo de viver, o contra-colonialismo, em resposta a problemas actuais ligados à ecologia, ao clima, ao trabalho e à alimentação.

Colonizar um povo é como adestrar um boi. Ambas as acções consistem na remoção da identidade, mudança de território e condenação do modo de vida alheio. Essa é a associação que o pensador faz em A Terra Dá, a Terra Quer.

O contra-colonialismo, segundo ele, seria a recusa de um povo à colonização, o que seria praticado há séculos por africanos, indígenas e quilombolas.

Em entrevista à Folha de S. Paulo, o pensador chegou a dizer que não via diferença entre a esquerda e a direita na relação com os quilombolas. "A direita e a esquerda são maquinistas que dirigem o mesmo trem colonialista. Escolher o vagão permite decidir os passageiros com quem você vai viajar. Mas a viagem é a mesma, vai para o mesmo caminho", disse. Também entrevistado pelo PÚBLICO quando da sua participação numa conferência da Culturgest em 2020, dizia: "O Brasil é um estado colonialista que está posto nos trilhos da colonialidade".

A Companhia das Letras prepara um novo livro que reúne o pensamento do líder quilombola. Colonização e Quilombo, Milagres e Feitiços, que vinha sendo trabalhado com a editora há já dois anos e meio, deve sair em 2024.

Exclusivo PÚBLICO/Folha de S. Paulo

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