Porque são uma farsa as instruções da AT para a avaliação das barragens?

Por que motivo a AT pratica erros com esta gravidade, é um mistério muito difícil de entender. E quando todos os erros têm em comum o benefício para a EDP, o mistério torna-se insuportável.

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A Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) emitiu as instruções para os peritos avaliadores e para os serviços, acerca do modo como deve ser efetuada a avaliação do valor patrimonial tributário (VPT) das barragens. Essas instruções têm graves erros, dos quais enunciamos, como exemplo, dois.

O primeiro e mais grave, é que estabelecem que nenhum equipamento das barragens se inclui na determinação do respetivo Valor Patrimonial Tributário, considerando-se apenas o custo da construção em cimento e alvenaria.

Esta a orientação é completamente errada e viola frontalmente a lei.

Do conceito de prédio, estabelecido no n.º 1 do artigo 2.º do Código do Imposto Municipal Sobre Imóveis (CIMI), fazem parte essencial três elementos que se devem verificar em simultâneo. O elemento físico, ou seja, uma fração de terreno ou uma construção; o elemento patrimonial, que estabelece a indispensabilidade de aquela estrutura física integrar o património de uma pessoa singular ou coletiva; e o elemento económico, nos termos do qual, o prédio tem de ser capaz de produzir rendimentos. Essa exigência tripla para que se consubstancie o requisito objetivo da incidência do IMI é consensualmente aceite na doutrina.

No caso das barragens, os rendimentos, em que se funda o elemento económico, são os que resultam da produção de energia hidroelétrica. Ora, a parte da construção correspondente ao cimento e à alvenaria não tem condições para produzir energia hidroelétrica. Na verdade, uma barragem sem equipamentos não é um empreendimento hidroelétrico. Não é possível produzir energia hidroelétrica sem comportas, sem descarregadores, sem turbinas, sem geradores, e sem os equipamentos que são indispensáveis à produção de energia.

Mais, os equipamentos implantados nestes prédios, nomeadamente as turbinas geradoras de energia, encontram-se colocados com carácter de permanência, alguns a mais de 80/100 metros de profundidade, os quais foram propositadamente construídos para os locais onde se encontram em funcionamento.

Por esta razão, não é possível defender-se que os equipamentos das barragens não integram o conceito de prédio. Além do bom senso, essa instrução viola a lei, nos seguintes termos:

  1. Sem os equipamentos, os imóveis das barragens nem são considerados prédios pelo CIMI. Sem eles, a parte da construção (o cimento e a alvenaria) não são capazes de produzir energia, não são capazes de produzir rendimento, e, portanto, essa componente do prédio não tenho valor económico, pelo que em si mesma não seria prédio, e não estaria sujeita ao IMI. Esta doutrina está sufragada pelo Supremo Tribunal Administrativo numa elevada quantidade de acórdãos acerca das eólicas. Assim, esta instrução, viola o artigo 2.º do CIMI;
  2. Por outro lado, o próprio Código do IMI contém diversas normas das quais resulta diretamente que os equipamentos necessários à produção de rendimento do prédio, e mesmo aqueles que, não sendo necessários aumentam o seu potencial de produção desse rendimento, fazem parte do prédio e devem ser tidos em conta na respetiva avaliação. É o caso dos seguintes, expressamente enunciados no artigo 43.º do CIMI:
    1. Dos elevadores em prédios com menos de 4 pisos que embora não sendo indispensáveis à construção aumentam o seu potencial de produção de rendimento;
    2. Das escadas rolantes em centros comerciais que também não sendo obrigatórias, o CIMI estabelece que, quando existam, aumentam o valor patrimonial do prédio;
    3. Dos sistemas de climatização, que apesar de não serem obrigatórios nem indispensáveis, aumentam o valor patrimonial tributário dos imóveis, nos termos da mesma norma legal
    4. Dos “Outros equipamentos de lazer”, que a mesma norma estabelece que aumentam o VPT dos imóveis. É sintomático que se trate de equipamentos de lazer, que nos termos da alínea g) do n.º 2 do artigo 43.º do CIMI, “todos os que sirvam para repouso ou para a prática de atividades lúdicas ou desportivas”. Ou seja, equipamentos não necessários nem indispensáveis, mas que aumentam as funcionalidades dos prédios;
    5. Dos equipamentos de cozinhas e casas de banho, expressamente enunciados nas alíneas a) e b) do n.º 2 do artigo 43.º do CIMI;
  3. As instruções violam ainda a lei fiscal, que prevê expressamente que o custo dos equipamentos entra diretamente no valor médio de construção, que serve de base ao sistema de determinação do VPT dos prédios urbanos. É o seguinte o teor desta norma: “O valor médio de construção é determinado tendo em conta, nomeadamente, os encargos diretos e indiretos suportados na construção do edifício, tais como os relativos a materiais, mão-de-obra, equipamentos, administração, energia, comunicações e outros consumíveis”.
  4. Que os equipamentos fazem parte do VPT dos prédios é ainda confirmado pelo n.º 3 do artigo 12.º do Código do IMT, que estabelece que o valor tributável deste imposto tem como referência o VPT dos imóveis transmitidos, ao qual deve ser adicionado o valor das partes integrantes (que são basicamente equipamentos), nos casos em que esse valor não esteja incluído no VPT. É a seguinte a redação da norma: “Ao valor patrimonial tributário junta-se o valor declarado das partes integrantes, quando o mesmo não esteja incluído no referido valor patrimonial”. Também desta norma resulta claramente que o valor dos equipamentos inclui o VPT dos prédios.

De todas estas normas legais resulta claramente que a lei estabelece que os equipamentos incorporados nos imóveis com carácter fixo, e que contribuem para a sua produção de rendimento, devem ser obrigatoriamente tidos em conta numa avaliação.

Quando AT divulga instruções estabelecendo o contrário está, pelo menos, a violar frontalmente a lei.

Por que motivo a AT pratica erros com esta gravidade, é um mistério muito difícil de entender.

E quando estes erros e ilegalidades são sucessivos, ainda mais difícil se torna essa compreensão.

E quando todos têm em comum o benefício para a EDP e o prejuízo para as populações, que na verdade são as credoras do IMI, o mistério torna-se insuportável e insuportável se torna perceber esta farsa, num Estado de Direito Democrático.

O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico

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