Sobretaxa de mau tempo: 1,39 euros

Após escolher o meu pedido, avanço para o check out e estudo, como sempre, o menu completo de taxas – entrega, serviço, pedido reduzido, mau tempo… Espera, mau tempo?

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Megafone P3: Sobretaxa de mau tempo: 1,39 euros Rui Gaudencio
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Este domingo decidi pedir um Glovo para o almoço. Tinha um desconto a terminar e escolhi um restaurante no centro comercial Ubbo, na Amadora.

Após escolher o meu pedido, avanço para o check out e estudo, como sempre, o menu completo de taxas – entrega, serviço, pedido reduzido, mau tempo… Espera, mau tempo? Olho pela janela – o céu está azul, nem uma nuvem no céu, e não fosse a temperatura e estaria de calções de banho na piscina dos vizinhos.

Ainda assim, porque a fome já apertava, cliquei no botão e o pedido chegou à minha porta dentro do prazo indicado (uma raridade, mas isso era conversa para outro artigo).

Assim que recebi o artigo e o estafeta seguiu a sua vida, tirei uma foto ao saco, onde aparecia igualmente o céu azul deste domingo, e utilizei a “Ajuda” da aplicação. Perguntei, inocentemente, porque tinha pago 1,39 euros de “sobretaxa de mau tempo”.

A primeira resposta da simpática Cristina (nome fictício – ou não) foi de que o mau tempo podia dever-se a todo o percurso que o estafeta tinha feito durante a entrega para assegurar que a encomenda chegava nas melhores condições às minhas mãos (as palavras não terão sido exactamente estas, mas muito semelhantes).

Enquanto preparava o prato e os talheres, respondi apenas que achava muito “difícil” que as condições meteorológicas tenham sido assim tão variadas num percurso de sete minutos e 3,7 quilómetros entre o centro comercial e a minha casa. Num misto de amabilidade e excesso de zelo, a Cristina informa-me que ia passar o tópico para o departamento financeiro deles, e logo de seguida, refere que enviou um email e que aguardava a minha resposta imediata, pois solicitara urgência no esclarecimento.

É com uma batata frita na boca que pego no telemóvel para confirmar esse email recebido. “Conforme acordado, daremos continuidade ao seu atendimento por aqui. Nos informou que seu pedido não está de acordo com a taxa de mau tempo que lhe foi cobrado. Assim que responder a este email, a nossa equipa especializada tratará do caso o mais breve possível.”

Respondo com um lacónico “Fico a aguardar”, pois não faço ideia que resposta esperam eles, nem compreendo bem o sentido de urgência para clarificar a razoabilidade dos 1,39 euros que exija que o faça enquanto tento degustar o almoço que encomendei. A resposta chega rapidamente.

“As condições meteorológicas são definidas pelo nosso serviço meteorológico e não podem ser alteradas. As condições poderão variar em diferentes partes da cidade e os estafetas têm de conduzir em condições adversas para entregar pedidos, mesmo que o tempo na tua localização específica possa estar diferente. Comunicamos sempre o valor da taxa no check-out, antes de confirmares o pedido.”

No total, três frases para concluir o esperado: o valor não iria ser devolvido. O estafeta certamente conduziu desde Zurique, onde as previsões meteorológicas apontavam para a ocorrência de chuva durante o dia de hoje, para recolher o meu pedido.

Além disso, fui informado da taxa antes de confirmar o pedido, pelo que tacitamente concordei que se abatia um temporal sobre a minha localização ou ali à volta. Melhor ainda: o “serviço meteorológico” é lei e o que ele diz tem muito mais valor do que aquilo que observamos pela janela.

Resignei-me, mas não pude deixar de associar este episódio a todas as discussões que tivera com o banco de onde transferi recentemente o crédito habitação, com a cobrança de “taxas e taxinhas” inexplicadas (pelos próprios agentes do balcão).

Vencer o cliente pelo cansaço ou pela sensação de “não vale a pena” nunca me pareceu prática tão corrente como nos dias de hoje. Cada entidade – banco, loja, aplicação – possui um conjunto de atitudes que culminam com o cliente a pagar, invariavelmente, uns cêntimos a mais (ou 1,39 euros) sem que este tenha condições ou vontade de protestar.

Quando o faço, abate-se invariavelmente uma sensação de “porque é que estou a perder o meu tempo a protestar por estes cêntimos?”, mesmo que a moral (ou sei lá o quê) me diga que eventualmente algo mudará e a próxima pessoa na iminência de cair na “armadilha” conseguirá desviar-se dessa bala.

Pelo menos o almoço estava muito saboroso e o sol continuou a brilhar no céu azul.

PS: Depois da publicação deste texto, recebi uma mensagem indicando que "ocorreu um erro do lado da Glovo que levou a que fosse cobrado incorrectamente a alguns utilizadores uma taxa de mau tempo, quando o mesmo não se verificava". A empresa pediu desculpas e prometeu reembolsar o valor.

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