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Jamaika: o “último capítulo” do bairro pela lente de José Sarmento Matos

Com o fim iminente do bairro, José Sarmento Matos dedica-lhe um terceiro e último projecto.​ Livro de fotografia documental sobre o Bairro da Jamaica, no Seixal, será lançado em 2024.

Fotografia do livro Jamaika ©José Sarmento Matos
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Fotografia do livro Jamaika ©José Sarmento Matos

No papel, Urbanização do Vale de Chícharos. Em tudo o resto, Bairro da Jamaica. É o resultado do abandono de uma empresa de construção falida, em finais dos anos 1970, mas, quase desde a sua génese, o bairro esteve associado a perigosas condições de habitabilidade e sobrelotação

Por serem famílias maioritariamente da comunidade PALOP, o estigma e marginalização imperam no imaginário comum sobre quem lá vive. Mas em Jamaika, livro de fotografia documental do fotógrafo José Sarmento Matos, o bairro ganha novos contornos.

O fotógrafo começou a pensar numa espécie de “último capítulo” já depois de ter sido anunciado o processo de realojamento e demolição progressiva do bairro pela Câmara Municipal do Seixal, em 2018, que deverá estar concluído até ao final do ano. “O livro começa no momento em que eu entendo que o bairro vai terminar”, afirma.

Do tempo que passou a fotografar o bairro, ficam “o sentimento de partilha, amor e carinho, que perdurará para além do espaço e continuará a fazer parte da vida dos que lá viveram”, diz o fotógrafo. Sobre o realojamento, não deixa de frisar o sentimento de criminalização dos moradores: “O livro mostra que esta desigualdade sistémica ainda existe em 2023. Havia polícia de choque no realojamento. É necessário falar disto para que as pessoas parem de ser estigmatizadas como ainda o são em Portugal”.

Antes do livro, que descreve como uma “memória visual do bairro”, José produziu uma curta-metragem sobre a premência do realojamento em tempos de pandemia, que se estreou no Festival DocLisboa 2021. Seguiu-se a instalação Model of Jamaika, parte da exposição X não é um país pequeno, que esteve no MAAT – Museu de Arte, Arquitectura e Tecnologia, em Lisboa, entre Abril e Setembro do mesmo ano. 

Para o financiamento dos custos inerentes à publicação do livro, Sarmento Matos criou uma campanha de crowdfunding. O objectivo, 11 mil dólares (o equivalente a cerca de 10.300 euros), visa atenuar os custos de um trabalho que, após o fim do financiamento pela National Geographic Society, foi inteiramente suportado pelo fotógrafo. “Os meus projectos pessoais são sempre de largo prazo e começam sempre por ser financiados. Mas é difícil estar constantemente à espera de financiamento”, refere. “Neste caso, eu geria a minha vida e sempre que pudesse estar no Bairro da Jamaica, estava.”

Além das 55 fotografias de José Sarmento Matos, Jamaika conta também com textos de Ana Rita Alves, antropóloga especializada em questões raciais na habitação, e Kid Robinn, nome artístico de Roberto Cravid, nascido e criado no bairro. O rapper assina a letra de Perspetiva, composta no contexto da curta-metragem de 2020. “Queria conhecer alguém que estivesse no bairro, que fosse do bairro, e que tivesse interesse em contar a história de outra forma”, partilha o fotógrafo. Encontrou-a na música, que vê como “arma de manifesto”. “Ele fala pelo bairro, pela comunidade.”

O livro será lançado em Janeiro de 2024 na Narrativa, espaço lisboeta dedicado à fotografia contemporânea

Texto editado por Inês Chaíça

Fotografia do livro <i>Jamaika</i>
Fotografia do livro Jamaika ©José Sarmento Matos
Fotografia do livro <i>Jamaika</i>
Fotografia do livro Jamaika ©José Sarmento Matos
Fotografia do livro <i>Jamaika</i>
Fotografia do livro Jamaika ©José Sarmento Matos
Fotografia do livro <i>Jamaika</i>
Fotografia do livro Jamaika ©José Sarmento Matos
Fotografia do livro <i>Jamaika</i>
Fotografia do livro Jamaika ©José Sarmento Matos
Fotografia do rapper Kid Robinn para o livro <i>Jamaika</i>
Fotografia do rapper Kid Robinn para o livro Jamaika ©José Sarmento Matos
Fotografia do livro <i>Jamaika</i>
Fotografia do livro Jamaika ©José Sarmento Matos
Capa do livro <i>Jamaika</i>
Capa do livro Jamaika ©José Sarmento Matos