Agora, sim, Dolberg espantou a má fortuna

Será difícil encontrar um futebolista prejudicado por tanto azar – na vida pessoal, na profissional e até a nível de saúde. Em 2023/24, o dinamarquês foi procurar a felicidade num local perfeito.

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Dolberg em acção frente ao Benfica, quando jogava no Ajax Reuters/STRINGER
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É preciso algum pudor quando se fala do azar de um futebolista de topo - não vivem propriamente no suplício mensal das contas para pagar, além de ganharem milhões a fazer aquilo de que gostam. Em todo o caso, não podemos também ignorar a má fortuna de alguns deles, mesmo num contexto de vida globalmente favorável. Nessa medida, o dinamarquês Kasper Dolberg pode colocar-se, de pleno direito, no lote de futebolistas mais azarados da Europa. Já lá vamos.

Para já, importa passar à parte final da história, a que nos diz que Dolberg viajou para uma terra onde se fazem golos - na Liga belga, bons avançados conseguem prosperar com alguma facilidade.

E é na Bélgica, pelo Anderlecht, que já leva oito golos em 13 jogos na temporada (e três nos últimos quatro encontros), já contando com o obtido ontem, no triunfo (3-0) frente ao Cercle Brugge.

Por lá, Dolberg tem sido aquilo que não conseguiu ser nos últimos anos, mas que chegou a parecer que iria ser, quando despontou no Ajax.No Anderlecht, não só joga num campeonato mais “amigo” dos avançados, como pode trabalhar naquela que é, possivelmente, a equipa mais escandinava das não escandinavas - foram quatro dinamarqueses (Schmeichel, Delaney, Dreyer e Dolberg), um sueco (Augustinsson) e um norueguês (Arnstad) utilizados no encontro de ontem.

Há, portanto, um contexto favorável para que Kasper Dolberg, avançado que fez os primeiros anos da formação no clube da cidade-natal, Silkeborg, deixe de ser um homem azarado e passe a ser o goleador que se esperava que fosse.

Os roubos

Aos 26 anos, aquilo que a carreira de Dolberg não tem tido em futebol de topo tem tido de sobra em bizarria de alto nível.

Depois de terminar a formação no Ajax, marcou 23 golos em 48 jogos na primeira temporada como sénior. Eram 19 anos e quase um metro e noventa de goleador, apesar de não ter o perfil tipicamente escandinavo - mostrava, além da finalização e da estampa física, alguma capacidade de “mexer na bola”, sobretudo em apoios frontais. Acima disso, sempre teve um raio de acção bastante alargado e gosta de procurar a bola em vários locais do terreno, quer em largura, quer em apoio.

Tinha, em suma, bons atributos de finalização, técnica e mobilidade para uma carreira interessante, mesmo que não a nível de topo mundial. Nas temporadas seguintes ficou-se pelos nove e 12 golos, números que na também “amigável” Liga neerlandesa não são cartões-de-visita de encher o olho.

Depois, veio a bizarria. Custou quase 21 milhões de euros ao Nice, mas não justificou a maquia - marcou 24 golos em três temporadas, uma média de oito por época.

Uns dirão que não justificou a aposta - e estão certos -, outros argumentarão que não teve condições para tal - e também esses estarão perto da verdade.

Primeiro, Dolberg teve um colega a roubar-lhe um relógio de 70 mil euros no balneário. Lamine Diaby-Fadiga justificou o crime com a inveja que tinha de Dolberg.

Mais tarde, roubaram-lhe um Porsche no estacionamento do aeroporto, enquanto jogava pela Dinamarca na Liga das Nações. Dentro do carro tinha as chaves de casa, pelo que os ladrões puderam também deitar mão à residência - levaram dinheiro e bens tecnológicos.

A saúde

Depois de envolvido nesta teia de criminalidade - mesmo que na pele de vítima -, veio a saúde. Primeiro, duas infecções por covid-19 num só ano. Mais tarde, uma crise de apendicite, a juntar a outros problemas físicos menores. Por fim, um diagnóstico de diabetes.

Tudo isto - a saúde e os roubos - aconteceu num período de cerca de um ano, antes de Dolberg ser emprestado. Primeiro ao Sevilha, em 2022-23, com uns redondos zero golos em oito jogos, e depois ao Hoffenheim, com uns pouco mais impressionantes dois remates certeiros em 14 partidas.

Com a queda para o abismo e com o nível futebolístico de Dolberg a decrescer ano após ano, o Anderlecht conseguiu assegurar os seus serviços por menos de cinco milhões de euros.

Foi barato? Pelo que já se tinha visto dele, talvez. Pelo que tinha vindo a mostrar, talvez não. O certo é que, rodeado de dinamarqueses e escandinavos, a jogar num campeonato de segunda linha e tão “amigo” dos avançados - como já era o neerlandês - e espantando a má fortuna, Dolberg consegue fazer a diferença. Foi um jackpot para o Anderlecht.

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