Palestina: é um genocídio, e nós, portugueses, somos cúmplices

Sem qualquer condescendência pelos crimes do Hamas, exige-se o mesmo rigor a dizer a Israel que o cerco de Gaza é um crime contra a humanidade, assim como são os colonatos que não páram de crescer.

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O Hamas fez vários ataques terroristas e Israel é um Estado terrorista. Isto não é ser salomónico, ou neutro, isto é ser justo. Repetirei as vezes que forem necessárias que o Hamas tem um braço armado com múltiplas acções que configuram crimes de uma barbárie sem nome, que eu repudio até às vísceras. Mas repudio também o massacre, e vou repetir, o massacre que Israel inflige contra os palestinianos diariamente, quer em Israel onde não têm os mesmos direitos, quer na Cisjordânia onde vivem em nesgas de terreno cada vez menores, quer em Gaza onde estão aprisionados.

Eu desafio qualquer pessoa com um pingo de humanidade a passar dois ou três dias na Palestina sem sair de lá enojado com o apartheid Israelita. Não há palavras para o sofrimento humano imposto pelo Hamas, mas Israel faz o mesmo, ou pior, só que de uniforme e de uma forma continuada e silenciosa. Mas, para nós, as lágrimas das mães palestinas não valem o mesmo do que as lágrimas das mães israelitas. Se as bandeiras de Israel são pela memória das vítimas e o sofrimento das suas famílias, acho muito bem que as mostrem, totalmente a favor. Agora, talvez esteja na altura de exibirem bandeiras palestinianas nos monumentos principais de cada país, pelos mesmos motivos. Mas quando é que viram bandeiras palestinianas dos representantes dos Estados do Ocidente? Nunca. Israel fez uma execução sumária a uma jornalista que tinha dupla nacionalidade palestiniana/americana e era cristã, e nenhum Estado disse nada e houve zero consequências. Milhares de crianças foram presas e assassinadas pelo exército israelita, e nenhum Estado do Ocidente tem a coragem de dizer: é um crime terrorista.

A minha dúvida é se as pessoas fazem um esforço para ver a questão do lado humano, ou se simplesmente tomam a posição que pensam fazê-las dormir mais descansadas. Já sabemos que o egoísmo domina grande parte dos nossos pensamentos, porque o humanismo dá muito trabalho ao obrigar-nos a sair de nós próprios. Todas as organizações humanitárias internacionais estão escolhendo palavras diferentes a condenar o massacre que os israelitas estão a infligir aos palestinianos. A NRC (Norwegian Refugee Council) foi um bocadinho mais longe e chamou-lhe “limpeza étnica humanitária”. Leiam bem estas palavras de uma organização cuja idoneidade é intocável.

A Médicos Sem Fronteiras, a maior e mais antiga ONG médica do mundo, que está presente em todos os cantos do planeta, vinculada e obrigada à neutralidade, imparcialidade e independência, está a pedir ao governo Israelita que “mostre humanidade” e pare com os massacres e os bloqueios que matam. O Comité Internacional da Cruz Vermelha, que em 160 anos de história conta pelos dedos o número de posições que tomou em conflitos armados, está a fazer apelos duríssimos aos israelitas para que parem com os massacres. A Organização Mundial de Saúde afirma que obrigar evacuações de hospitais é assinar sentenças de morte.

Sem qualquer condescendência pelos crimes do Hamas, exige-se o mesmo rigor a dizer a Israel que o cerco de Gaza é um crime contra a humanidade, assim como são os colonatos que não páram de crescer de ano para ano. É muito difícil perceber, sem se ir lá, o nojo desumano que são os colonatos baseados em argumentos religiosos de perfeitos fanáticos. Imaginem que vos expulsam de casa, e aos vossos vizinhos também, e colocam lá os judeus ultraortodoxos radicais que constroem muros e metem militares de metralhadora apontada e dedo no gatilho. Os próprios colonos andam todos armados e os palestinianos nem um canivete podem ter, e são obrigados a passar por check points a cada esquina, numa terra que é deles, segundo as Nações Unidas.

Só há um lado que pode parar a guerra, que é Israel, mas nunca o quis, pelo contrário, cada vez constrói mais e mais colonatos indiscutivelmente ilegais. Israel tem um desejo, e só não vê quem não quer, que é eliminar a Palestina e os palestinianos todos: a isto chama-se genocídio. E “nós”, ocidentais, nunca condenamos as atrocidades que, todos os dias, os israelitas infligem aos palestinianos. Ninguém me contou, eu vi. Eu estive em Israel, na Cisjordânia, e trabalhei em Gaza. Eu não pretendo que as pessoas entrem em dicotomias simplistas que são sempre bacocas, apenas peço que a mesma condenação que é feita ao Hamas seja feita ao Estado israelita que tem escrito na lei que os não-judeus, como quem me lê na maioria, tem menos direitos na lei do país. É uma teocracia, como é o Irão ou a Arábia Saudita, e com os argumentos religiosos vem sempre o fanatismo (como vem também do Hamas).

Só haverá paz quando lutarmos pelos direitos humanos dos dois lados, só haverá paz quando a Palestina for livre. E é malévolo vermos que isto se torna uma questão partidária de direita e esquerda, quando não é do nosso umbigo que estamos a falar - é de pessoas, e cada vida tem de ser valorizada.

Eu estou sempre do lado onde morrem mais inocentes, onde há mais gente a sofrer. Eu sou pela Palestina, porque é lá que há décadas que temos uma desumanização de seres humanos, que faz com que nos mostrem as vidas dos palestinianos como menores que as nossas. E não são. São iguais.

Enquanto “nós” estamos a dar luz verde a Israel para matar quem quiser, à sede, à fome, à bomba, ou expulsar de casas e dos hospitais, quer em Gaza quer na Cisjordânia, para vingar a terrível morte dos 1300 israelitas, já foram assassinadas cerca de 1000 crianças palestinianas só nestes dias e o número vai subir em flecha, a acrescentar aos milhares das últimas décadas, cujas histórias de vida, para “nós”, não valem nada.

Os embrulhos geopolíticos deixo para os tantos que sabem mais do que eu, mas do ponto de vista humano é evidente que isto é um genocídio, com todo o ódio e todos os golpes baixos, que este que é o pior crime contra a humanidade, envolve.

Quem não apontar o dedo a Israel, também, ficará para a história como os que foram cúmplices do apartheid na África do Sul. Não podemos ser neutros ou omissos em questões de direitos humanos.

Isto é um genocídio e até agora, enquanto Estado, nós portugueses somos cúmplices através do nosso silêncio ensurdecedor perante os crimes de Israel.

Foto

As crónicas de Gustavo Carona são patrocinadas pela Fundação Manuel António da Mota a favor dos Médicos sem Fronteiras

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