Redução de danos em tabaco: integrar a ciência nas decisões de saúde

Temos de nos assegurar que as decisões são informadas e que existe o respeito pela individualidade e pela liberdade nas escolhas de cada pessoa.

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No âmbito da palestra que proferi no 6th Summit on Tobacco Harm Reduction 2023, em Atenas (Grécia), a 26 de setembro, e numa altura em que a análise fundamental ao potencial das abordagens de redução de risco continua fora da discussão em torno da revisão da lei do tabaco, gostaria de partilhar alguns dados pertinentes sobre um dos mais relevantes temas de saúde pública, o consumo de tabaco.

Ninguém tem dúvidas de que fumar faz mal à saúde, mas não se pode falar de igual forma sobre todos os produtos disponíveis no mercado para os consumidores, porque os riscos são muito diferentes entre eles, tal como denota um conjunto vasto de estudos científicos. É sempre mais seguro para a saúde não fumar, mas essa decisão cabe a cada pessoa, na sua liberdade de escolha. Eticamente, não podemos decidir pelos outros, mas temos o dever de informar, para que a decisão tenha em conta o conhecimento dos riscos e, sobretudo, assegurar a proteção de menores e dos mais vulneráveis.

Comecemos por analisar a “receita” para ser saudável e evitar riscos, de acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS): “ABCDE – Avoid Alcohol, Be physically active, Cut down on salt and sugar, Don’t use tobacco products, Eat plenty of vegetables and fruits”. Traduzindo: Evitar álcool, Ser fisicamente ativo, Cortar no sal e nos açúcares (acrescentaria também as gorduras), Não usar tabaco, Comer vegetais e frutas com abundância (acrescentaria, dependendo das condições de saúde de cada pessoa).

Mas mesmo esta “receita” pode não ser adequada para a totalidade das pessoas da mesma forma, dada as características genéticas individuais.

Andamos todos “à procura de uma cenoura”, na busca pelo prazer e pelo bem-estar de que necessitamos para viver, inerente à nossa existência como espécie, mas há uma fronteira para as dependências, que é importante considerar.

Em relação ao consumo do tabaco, vejamos alguns números e factos sobre o tabagismo e outros fatores de risco.

O relatório do Observatório Europeu dos Sistemas e Políticas de Saúde, no âmbito da análise do estado da saúde na União Europeia (UE) - Portugal (2021), mostra que cerca de um terço das mortes podem ser atribuídas a fatores de risco comportamentais. O tabaco contribui com 12% (UE 17%), uma percentagem semelhante aos riscos relacionados com a alimentação – 11% (UE 17%), com o álcool a contribuir com 6%.

Os dados de iniciação tabágica na UE, segundo dados do Eurobarómetro (2021), mostram que os cigarros surgem claramente como o principal produto de iniciação com 93% em Portugal, ao contrário do tabaco aquecido ou outras alternativas menos prejudiciais.

Assim, é possível constatar que as ameaças mais nocivas para a saúde são o fumo de cigarros, os erros alimentares e o álcool, todas relacionadas com comportamentos de risco.

De acordo com a Public Health England, quatro em cada dez fumadores e ex-fumadores pensam erradamente que a nicotina é a causa da maioria dos casos de cancro relacionados com o tabagismo. Os inúmeros estudos científicos independentes mostram que a nicotina tem um risco mínimo de prejudicar a saúde e pode, inclusivamente, ser uma ferramenta terapêutica importante. A nicotina é um alcalóide, encontrada em algumas plantas e fungos, existindo nas folhas do tabaco. Embora a nicotina seja a razão pela qual as pessoas se tornam dependentes do tabaco, porque é um ativador da via da recompensa cerebral (associada à gestão do bem-estar), a preocupação primordial deve ser banir do consumo os milhares de produtos químicos cancerígenos contidos no fumo do cigarro e que são responsáveis pelos danos graves à saúde.

Sendo inegável que o tabaco está associado a esses danos, é também incontestável que nem todas as formas de consumo são comparáveis em termos de risco. O uso de cigarro, devido ao processo de combustão, associa-se à exposição de substâncias nocivas em elevado número e toxicidade. O tabaco aquecido, que não usa combustão, apresenta uma redução muito significativa do nível de substâncias prejudiciais, comparativamente ao cigarro comum, de acordo com dados científicos disponíveis, também verificados por agências governamentais como a Food and Drug Administration (FDA) nos EUA e o German Federal Institute for Risk Assessment na Alemanha. Apesar de, idealmente, ser desejável a ausência de consumo de tabaco, o tabaco aquecido expõe significativamente as pessoas a menos toxinas do que os cigarros, podendo contribuir para a cessação tabágica ou mesmo levar à redução das vendas de cigarros, tal como demonstrado por um estudo independente de investigadores da American Cancer Society.

Queremos um mundo mais saudável, livre de fumo e é urgente promover a redução de danos.

As decisões baseadas nos dados científicos são as mais acertadas e vão ao encontro de forma mais precisa às necessidades das pessoas. As decisões políticas para assegurar a proteção das pessoas contra os riscos para a saúde deverão ser sustentadas com o apoio do conhecimento científico.

Viver é um risco, e muitas das nossas opções diárias não são isentas de perigo, mas temos de nos assegurar que as decisões são informadas e que existe o respeito pela individualidade e pela liberdade nas escolhas de cada pessoa.

A ciência deve estar na base da decisão política e das políticas públicas em prol das pessoas e, necessariamente, da saúde pública. Deste modo, a questão do consumo de tabaco requer um conhecimento profundo e rigoroso das características dos diferentes produtos, diferenciando os que não apresentam combustão e dos desenvolvimentos científicos mais recentes, nomeadamente no seu contexto de interação com o corpo humano, para decisões devidamente informadas e plenas de capacidade.

As leis são cruciais, mas não são suficientes. O conhecimento, a educação e a cultura são as chaves para a liberdade. A literacia é a solução para uma melhor saúde e qualidade de vida.

Nota: não sou fumadora e não tenho quaisquer interesses económicos relacionados com o tabaco. Sou defensora da ciência para todos.

A autora escreve segundo o novo acordo ortográfico

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