"Quem quer paz, prepara-se para a guerra." É mais ou menos assim a velha e muito parafraseada frase. Presume-se que quem queira guerra também a prepare; pelo que se conclui que, seja qual for a situação, a preparação bélica estará sempre presente.

Nos dias de hoje, para EUA e China, isto tem significado, entre outras coisas, uma guerra comercial em torno dos microchips.

Os pequenos componentes não são apenas cruciais ao funcionamento normal do mundo. São essenciais em qualquer esforço militar. E este é um ponto fraco de Pequim, que os EUA se têm esforçado por pressionar ao longo do último ano. A fábrica do mundo está longe de fabricar todos os chips de que precisa. 

 
           
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É por isto que, entre os números da economia chinesa que têm sido escalpelizados nos tempos recentes, à medida que se torna claro que a segunda economia mundial está a ter dificuldades em recuperar da pandemia, há três (relativamente discretos) indicadores estatísticos para os quais é importante olhar numa altura de tensão entre as duas potências globais. 

O primeiro deles revela que, em Junho e Julho, a China importou um número recorde de equipamento para o fabrico de chips. A maioria deste equipamento foi comprado ao Japão e aos Países Baixos, dois países-chave no sector e que os EUA conseguiram convencer a restringir as exportações para a China.

O acordo entre os três foi fechado no início do ano. Em Outubro do ano passado, os EUA já tinham anunciado as suas próprias restrições. As empresas daqueles países passam a estar limitadas naquilo que podem vender a empresas chinesas – sejam chips já prontos ou componentes, maquinaria ou software – e precisam de autorização governamental para o fazer. No Japão, a medida entrou em vigor no final de Julho. Nos Países Baixos, avança no próximo mês.

É fácil perceber por que razão o regime de Pequim está preocupado.

Ao contrário, por exemplo, do petróleo ou do armamento, as cadeias de fornecimento de chips têm um número muito reduzido de países e empresas envolvidas: não há dezenas de países fornecedores, reservas estratégicas ou alianças na América do Sul ou no Médio Oriente que possam ser úteis (mas, tal como com o petróleo e as armas, também há contrabando). A holandesa ASML é a única empresa que fabrica as máquinas usadas para a produção dos chips mais avançados. Dependendo de como forem feitas as contas, a fabricante taiwanesa TSMC (que vai abrir fábricas nos EUA e na Alemanha) tem mais de metade do mercado mundial; se formos subindo na pirâmide rumo aos chips de ponta, a fatia da TSMC vai crescendo. O Japão e a Coreia do Sul são outras potências do sector. Todos se alinham com os EUA.

O equipamento que a China comprou em grande quantidade nos últimos meses serve sobretudo para produzir chips menos avançados; não servem para aplicações sofisticadas de inteligência artificial, mas podem equipar máquinas de lavar roupa ou mísseis teleguiados. 

A China tem vindo a esforçar-se por aumentar a produção própria, embora com sucesso limitado. No primeiro semestre deste ano, a produção caiu 3% em relação aos mesmos seis meses de 2022; porém, acelerou em Junho, crescendo 5,7%. É o segundo indicador pertinente. 

Os chineses não têm hipóteses de vir a ter algo sequer remotamente próximo da autosuficiência, especialmente no que toca aos componentes mais sofisticados. Nenhum país tem toda a tecnologia necessária para produzir chips sozinho, é certo. Mas a China tem anos de atraso. "A China vai reagir continuando a gastar grandes quantias de dinheiro para tentar desenvolver a sua indústria de circuitos integrados, mas será difícil fazer com que isto resulte, porque as empresas chinesas estão a começar muito atrás da vanguarda", disse o historiador Chris Miller, autor de A Guerra dos Chips, numa entrevista recente à minha colega Karla Pequenino.

O terceiro indicador: a importação de chips por parte da China afundou-se 18,5% no primeiro semestre, uma quebra que estará a reflectir mais as sanções dos EUA e aliados do que o estado da economia chinesa: as importações no geral caíram apenas 0,1% no mesmo período.

Pequim, claro, tem alguns trunfos, e está a jogá-los. Anunciou as suas próprias restrições à exportação de dois metais que são usados no fabrico de alguns tipos de chips e dos quais é o maior fornecedor mundial. Como em qualquer guerra comercial ou militar o resultado disto será negativo para todas as partes.

Está muito em jogo. "O risco mais grave é o começo de uma crise militar na Ásia. Isso pode causar um colapso catastrófico no fornecimento mundial de semicondutores", avisou Miller, na entrevista.

Já se viu na pandemia como uma disrupção no fornecimento de chips traz solavancos fortes a toda a economia mundial. Um "colapso catastrófico" é algo que, em princípio, todos estarão interessados em evitar. Numa perspectiva optimista, a intrincada guerra dos chips que está em curso pode ajudar a manter a paz.