Agenda 2030: novas possibilidades para todas as pessoas em todos os lugares

As várias crises que enfrentamos exigem que o Roteiro Nacional para o Desenvolvimento Sustentável 2030 seja um instrumento ambicioso e preveja a participação abrangente da sociedade civil.

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Setembro de 2015. Nova Iorque. Assembleia Geral das Nações Unidas. 193 Estados-membros, entre os quais Portugal, aprovavam a Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável. Um compromisso ambicioso, traduzido em 17 objetivos, de implementar uma agenda globalmente partilhada para tornar realidade a visão de um mundo equitativo e sustentável, assente na dignidade e na justiça, capaz de fazer emergir um conjunto de novas possibilidades para todas as pessoas em todos os lugares.

Passaram oito anos desde esse momento histórico, em que os líderes mundiais reconheceram que os desafios globais apenas podem ser enfrentados através de uma cooperação genuína entre os países e de uma nova ética das relações internacionais, que convoca à responsabilidade e ao cuidado de uns pelos outros.

O tempo que se seguiu, e que ainda é este presente que vivemos, é o tempo da implementação e da monitorização de tão vital acordo. Acresce que vivemos hoje circunstâncias ainda mais críticas e que comprometem seriamente o cumprimento dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, tal como definidos há oito anos na Agenda 2030. A crise pandémica fez recuar dez anos as conquistas até aí conseguidas no Índice de Desenvolvimento Humano.

Um mundo globalizado e interdependente, onde a complexidade, as possibilidades das tecnologias de comunicação, a valorização do imediato e do descartável e a polarização da sociedade dificultam o processo de tomada de decisão político e pessoal, avolumando tensões mal resolvidas de diferente ordem, com reflexos nas diferentes instituições sociais. É um quadro multiplicador de crises, cuja resposta fica dificultada pelas mesmas circunstâncias que as multiplicam.

É neste contexto, tantas vezes agravado por um modelo de regulação económica e política centrado no aproveitamento das evoluções tecnológicas para criar vantagens para um determinado país, um determinado grupo ou mesmo indivíduo, em detrimento do bem comum global das gerações presentes e futuras, que temos assistido à confluência do colapso ambiental e das tensões geopolíticas globais, ao aumento dos gastos militares dos governos em todo o mundo e do número de conflitos e de guerras, ao aumento do número de pessoas deslocadas e/ou em situação de fragilidade múltipla – subsistência, abrigo, proteção, entre tantas outras.

É o contexto favorável à emergência das permacrises – crises democráticas, económicas, ambientais, demográficas, sociais… – que degradam de forma sistemática a vitalidade dos sistemas sociais, e que, por isso, precisa crescentemente de reparação. Uma reparação que só é possível com o envolvimento de todas as pessoas, porque todos e todas somos parte da solução para os desafios que coletivamente enfrentamos, num cenário cada vez mais complexo, incerto, volátil e ambíguo, que ameaça a paz e a prosperidade das nossas sociedades.

Diante desta realidade, da qual somos responsáveis, enquanto coletivo e enquanto indivíduos, importa incansavelmente recuperar o compromisso de 2015, de “não deixar ninguém para trás”.

A monitorização da implementação da Agenda 2030 é feita através de Relatórios Nacionais elaborados pelos próprios países e apresentados no Fórum Político de Alto Nível ONU, que este ano decorreu de 10 a 19 de julho. Desde a aprovação da Agenda 2030, esta é já a segunda vez que Portugal apresenta um Relatório Voluntário Nacional (RVN). O documento foi publicado no início de junho e apresentado no passado dia 19 de julho.

O processo de elaboração do relatório, coordenado pela Presidência do Conselho de Ministros, contou com vários momentos de recolha de contributos, incluindo um período de consulta pública. O empenho de um conjunto amplo de organizações da sociedade civil durante este processo é mais uma evidência – entre tantas outras – da sua relevância na construção de políticas públicas eficazes. A participação democrática e política cumpre-se verdadeiramente nestas dinâmicas de diálogo entre cidadãos, organizações da sociedade civil e as instituições do Estado. Só assim as políticas públicas servirão melhor a transformação promotora do bem comum e da dignidade de todas as pessoas, em todos os lugares.

Uma democracia saudável e participativa envolve a sociedade civil nos processos de consulta, mas sobretudo nos processos de tomada de decisão na conceção, implementação e avaliação das políticas públicas. O conhecimento acumulado pela sociedade civil portuguesa exige esta participação efetiva.

Os princípios elencados por Portugal no RVN sobre os mecanismos de envolvimento da sociedade civil são imprescindíveis e devem, por isso, ser plenamente integrados nos processos de construção das políticas públicas, nomeadamente no âmbito da definição do Roteiro Nacional para o Desenvolvimento Sustentável 2030.

A interligação entre as várias crises que enfrentamos exige que o Roteiro Nacional para o Desenvolvimento Sustentável 2030 seja um instrumento ambicioso e preveja a participação abrangente da sociedade civil representativa de vários setores, desde o processo de conceção. Só assim será possível trazer o conhecimento das organizações que trabalham em áreas tão distintas como o ambiente, a igualdade de género, o desenvolvimento local, a juventude e a cooperação para o desenvolvimento, entre tantas outras, e deverá conduzir Portugal à definição de um Plano Nacional de Coerência das Políticas, colmatando uma necessidade há muito identificada.

O contributo de Portugal para o desenvolvimento sustentável e para a realização da Agenda 2030 exige um esforço conjunto do maior número possível de entidades dos setores público, privado e do terceiro setor. A sociedade civil é parte e não se omite da sua responsabilidade de construir a história que os próximos tempos consolidarão. Nessa história que se vai construir, as organizações da sociedade civil tudo farão para trazer ao espaço público e aos processos de decisão política as preocupações das pessoas, cujo conhecimento resulta da proximidade diária dos seus problemas e dificuldades, mas também das suas expectativas e esperanças.

Trago, a este fim de texto, palavras de Eduardo Galeano, do seu texto “Celebração da Voz Humana 2”, que integra O Livro dos Abraços. Escritas lembrando contextos de ditadura, vale sempre a pena lembrá-las em contexto de, aparentemente, sã participação democrática: “Quando é verdadeira, quando nasce da necessidade de dizer, não há quem detenha a voz humana.”

A autora escreve segundo o novo acordo ortográfico

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