ODS: os municípios e a escala local na linha da frente

Cumprir os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável é demasiado importante para ser um exclusivo das autoridades nacionais.

Na Cimeira do Clima recentemente realizada em Glasgow confirmou-se que em muitos casos as cidades estão bem à frente dos respetivos países nas políticas de mitigação e adaptação às alterações climáticas. O mesmo se verifica, aliás, em relação à concretização de diversas agendas globais, da descarbonização à economia circular ou à transição digital. Quando os 193 Estados-membros da ONU adotaram, em 2015, a Agenda 2030, que identifica 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) e respetivas metas a atingir em 2030, estabeleceram-se compromissos ao nível dos países. Será que também neste caso o nível local se pode destacar positivamente, tomando a dianteira em termos de concretização?

Na verdade, não é possível cumprir grande parte das metas dos ODS sem um forte envolvimento à escala local de cidadãos, autarquias, empresas e entidades da sociedade civil. As autoridades nacionais devem contribuir para “localizar os ODS”, uma expressão que tem vindo a ganhar relevo nos últimos anos. Mas mais do que levar os ODS a cada município, cidade ou região, importa desencadear dinâmicas locais que transformem cada território num verdadeiro viveiro experimental de mudança a favor da sustentabilidade.

Localizar os ODS é, antes de mais, um processo de animação e ativação territorial. Pressupõe um trabalho próximo e continuado de sensibilização e mobilização, a disponibilidade de informação e conhecimento relevantes para cada local, o estabelecimento de mecanismos de diálogo e de parcerias para a ação envolvendo quem está no terreno, a capacidade de transformar princípios e objetivos genéricos em iniciativas e práticas concretas, a existência de indicadores adequados a cada território de monitorização e de avaliação de resultados. Este conjunto de requisitos exige, por sua vez, uma cultura local de compromisso e de liderança colaborativa.

Ora é no quotidiano das pessoas e das instituições que essas dinâmicas são construídas. E é na proximidade – física, mas também social, cultural e organizacional – que as interações necessárias a essa construção encontram condições particularmente favoráveis para florescer. O enorme potencial do nível local como viveiro experimental de mudanças alinhadas com os ODS decorre justamente do facto de essa escala facilitar a convergência entre princípios e objetivos genéricos e decisões e práticas do dia-a-dia em domínios em que a mobilização de todos é preciosa.

Neste contexto, as autarquias locais, pela legitimidade política que detêm e pelo alargado leque de competências que possuem, podem desempenhar um papel fundamental como entidades exemplares quer no desempenho das suas funções, trazendo os ODS para as suas políticas e iniciativas, quer no relacionamento com munícipes e entidades locais, mobilizando e animando terceiros para que atuem do mesmo modo.

Vários municípios portugueses ocupam já uma posição de vanguarda neste domínio. Outros têm ainda um longo caminho a percorrer. A Plataforma ODSlocal, uma iniciativa conjunta do Conselho Nacional do Ambiente e do Desenvolvimento Sustentável (CNADS) com dois centros de investigação universitários e uma start-up tecnológica, visa, precisamente, contribuir para que todos os municípios do país vejam nos ODS um referencial de ação, disponibilizando indicadores ao nível municipal, divulgando projetos da sociedade civil e práticas municipais inspiradores e replicáveis, e capacitando técnicos e decisores. A responsabilidade do cumprimento dos ODS é demasiado importante para ser um exclusivo das autoridades nacionais. Aos municípios e aos diferentes atores que atuam à escala local caberá um papel decisivo na concretização de um desígnio que, de outra forma, pouco mais será do que uma retórica generosa ou um desejo irrealista.

O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico

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