Objectivo da UE para 2040: reduzir pelo menos 90% das emissões, recomendam cientistas

Depois do “Fit for 55” até 2030, cientistas recomendam que União Europeia aposte em reduzir emissões de gases com efeitos de estufa em 90% (ou 95%) até 2040. Relatório propõe três “caminhos icónicos”.

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O recurso a mecanismos de captura de carbono é uma das variáveis, mas a aposta deve ser na redução das emissões, salientam os cientistas Tiago Bernardo Lopes
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A Lei Europeia do Clima colocou na letra da lei a obrigação da União Europeia de chegar à neutralidade climática até 2050. Para 2030, definiu-se um primeiro objectivo: reduzir em 55% as emissões de GEE por comparação aos níveis de 1990 (em 2019, quando foi anunciado o Pacto Ecológico Europeu, a redução ia apenas nos 25%). Agora, o Conselho Científico Consultivo Europeu para as Alterações Climáticas (ESABCC, na sigla em inglês) recomenda à Comissão Europeia que o objectivo para o próximo patamar, em 2040, seja reduzir entre 90% e 95% as emissões de gases com efeito de estufa (GEE).

O relatório Recomendação científica para a determinação de um objectivo climático da UE para 2040 e um orçamento para gases com efeito de estufa para 2030-2050, lançado esta quinta-feira, nota que é necessária uma transição firme mas gradual, de forma a garantir não apenas a viabilidade das propostas, mas equidade na sua aplicação.“Tivemos em conta não apenas os aspectos climáticos, mas também os efeitos colaterais, benefícios e custos”, descreveu o economista Ottmar Edenhofer, coordenador do ESABCC, em conferência de imprensa.

As boas notícias: apesar do nível de urgência necessário, o painel multidisciplinar de investigadores demonstrou que ainda existe alguma margem de actuação, o que significa que cada país ainda poderá escolher entre um leque de opções para “emagrecer” o seu excesso de emissões rumo aos objectivos da neutralidade climática até 2050. “Este não é um relatório sobre políticas”, sublinhou Ottmar Edenhofer, reforçando, contudo, que o desenho das medidas necessárias para atingir estes objectivos deverá ser planeado de forma cuidada, tanto a nível nacional como local — incluindo cidadãos —, de forma a garantir uma transição equitativa e justa, em que todas as partes interessadas se sintam incluídas no processo.

Mas vamos aos números mais duros. Para a UE dar o seu contributo para manter o aquecimento global dentro do limite de 1,5ºC proposto no Acordo de Paris, o ESABCC recomenda que o “orçamento de gases com efeito de estufa” para 2030-2050 (que tem que ser definido com base em recomendações científicas, conforme prevê a Lei Europeia do Clima) não ultrapasse o limite de 11 a 14 Gt de CO2 equivalente - neste caso, “equivalente” significa que o metano e outros gases com efeito de estufa são contabilizados juntamente com o dióxido de carbono.

Para conseguir apertar o cinto a este ponto, será necessário uma redução de emissões em cerca de 90% a 95% até 2040, em relação aos níveis de 1990. Para efeitos de comparação: de acordo com dados da Agência Europeia do Ambiente, em 1990, foram emitidas 4,66 Gt de CO2e na UE; em 2020, ano em que a UE teve o seu recorde de baixas emissões das últimas décadas, foram emitidas 3,06 Gt de CO2e; com os limites agora propostos pela comunidade científica, a redução será tal que a UE estará a emitir menos de 0,5 Gt em 2040. O primeiro passo para que isto seja exequível é que a UE cumpra, efectivamente, o objectivo de reduzir as emissões de GEE em 55% até 2030.

Os cientistas concluem o relatório com três “caminhos icónicos”: o caminho com foco na procura, que implicaria a transição para estilos de vida que impliquem o consumo de menos recursos e menos dependência de mecanismos de captura de carbono; o caminho com foco nas energias renováveis, que prevê um orçamento de emissões mais gordo e o maior nível de electrificação até 2040; e um caminho de “opções mistas”, que prevê uma maior dependência da captura de carbono e inclui uma maior contribuição de fontes como a energia nuclear.

Filtrar opções

Na sua análise exaustiva das opções, o ESABCC começou por olhar para mais de mil cenários de emissões, “combinando a perspectiva de diferentes modelos”, excluindo aqueles que não se encaixavam nos objectivos ou que trariam demasiados riscos, explicou o economista Ottmar Edenhofer. No final da filtragem, os cientistas focaram-se em sete cenários que respondiam às preocupações colocadas.

Algo que é comum à maioria dos cenários bem-sucedidos é a aposta em energia solar e eólica, combinada com a electrificação do uso de energia (por exemplo, na mobilidade) e as alternativas aos combustíveis fósseis (por exemplo, com o hidrogénio verde). No sector energético, por exemplo, prevê-se o abandono quase total do carvão até 2030 e do gás natural até 2040, e uma fatia dedicada às renováveis que pode chegar a 90% da produção de energia.

Os cientistas explicam que é necessário investimento e inovação mas, acima de tudo, planeamento: é preciso ter em atenção, por exemplo, os riscos ambientais de aumentar a uma escala demasiado rápida as tecnologias “verdes” como os painéis fotovoltaicos, torres eólicas ou hidrogénio. De acordo com os cenários analisados, explicou o coordenador do ESABCC, a energia nuclear “não é uma opção inevitável” - mas, para tomar essa decisão, é preciso pensar sempre no mix ideal para cada país.

Foram também ponderadas questões éticas, como o equilíbrio entre as obrigações actuais da UE e a questão equitativa no que toca à relação com outros países — as reduções ambiciosas dos GEE a nível doméstico têm que andar a par com a cooperação com países em desenvolvimento (e que, historicamente, contribuíram muito menos para a actual acumulação destes gases na atmosfera).

A par com a redução de emissões, é preciso também apostar na captura de carbono da atmosfera, que deverá ser feita com soluções de base natural — recuperando florestas, adaptando a agricultura e ampliando, em geral, os chamados “sumidouros de carbono” —, mas também através de tecnologias de captura de carbono que ainda estão em desenvolvimento (ambas as opções serão analisadas com mais profundidade num relatório a ser publicado até ao final do ano). Esta é, uma vez mais, uma decisão que tem que ser tomada por cada país ponderando vários factores, incluindo o equilíbrio entre a viabilidade das soluções e a sua aplicação equitativa.

Como sublinha novamente o economista Ottmar Edenhofer, “o foco é, em primeiro lugar, a redução das emissões”. E não apenas as de CO2 - os cenários prevêem reduções entre 20% e 60% nas emissões de outros GEE, como o metano, com quebras mais significativas em sectores como a agricultura, a energia e a gestão de resíduos.

Mudar de vida, para melhor

Por fim, prevê-se uma redução do lado da procura - ou seja, do consumo - na ordem dos 20% a 40%. Isto passará, explicam os cientistas, pela melhoria da eficiência energética dos edifícios, pela já referida electrificação do uso da energia (por exemplo, com mais carros eléctricos), mas também pela redução do consumo em geral, o que implica algumas adaptações socio-económicas e culturais que não são exploradas a fundo no relatório.

O ESABCC relembra, por fim, os vários benefícios que esta transformação ecológica vai trazer, desde a segurança energética, ao reduzir a dependência de importações de combustíveis fósseis, até às melhorias na saúde e no bem-estar das populações, mediante a melhoria, por exemplo, da qualidade do ar.

Aliás, a análise dos investigadores mostra que os três “caminhos icónicos” propostos — em particular o primeiro, com foco na redução do consumo — podem criar “sinergias” com os Objectivos do Desenvolvimento Sustentável, que até 2030 propõem objectivos como energia limpa e a custo acessível, redução das desigualdades sociais e de género, cidades e comunidades sustentáveis e um consumo e produção responsáveis.

Depois de publicado, o relatório fará o seu caminho até os decisores europeus, que poderão definir os objectivos para 2040 e o orçamento de emissões para o período entre 2030 e 2050, com base nas recomendações científicas. De acordo com a Lei Europeia do Clima, "a Comissão deverá propor uma meta climática intermédia da União para 2040, se for o caso, o mais tardar no prazo de seis meses a contar do primeiro balanço mundial realizado no âmbito do Acordo de Paris" - ou seja, até meio ano depois da próxima COP, que se realiza em Novembro deste ano.

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