Esquecer os “comportamentos desviantes” e as ameaças

Como a “inflação de notas” não está tipificada na legislação, o Ministério da Educação está a rever o regime sancionatório a aplicar às escolas privadas apanhadas com estes comportamentos.

Pelo menos desde 2019, o Ministério da Educação tem vindo a sustentar que há escolas que supostamente inflacionam as notas revelando “comportamentos desviantes” de fuga à normalidade da “curva de Gauss”, de desvio face ao padrão dos resultados obtidos em exame, ou ainda de desvio face a uma média nacional.

Como o conceito de “inflação de notas” não está tipificado na legislação, refere o Ministro da Educação que o Governo está a rever o regime sancionatório das escolas privadas para conseguir dar uma "resposta mais rígida" a escolas apanhadas a cometer estes gravosos comportamentos.

Independentemente de uma análise semântica que mereceria todo um artigo, vai o ministério determinar os critérios de avaliação e classificação? Vai impor referenciais de avaliação centralizados? Vai predeterminar estatisticamente os intervalos de resultados admissíveis? Vai definir o algoritmo que cada escola vai seguir? Vai reforçar o clima “pidesco” de intervenção da IGEC, transformando-a numa agência de controlo político sobre a atividade avaliativa dos professores e das escolas? Vai impor limites máximos às notas a atribuir considerando análises estatísticas diversas e ignorando contextos, pessoas e estratégias pedagógicas? E vai tratar de modo igual as escolas estatais e as escolas particulares e cooperativas?

E vai também, já agora, dar uma “resposta mais rígida” às escolas (quaisquer que sejam) que atribuem notas muito abaixo do “valor esperado”? Vai intervir, com igual rigor, junto das escolas (quaisquer que sejam) que deflacionam segundo os mesmos critérios usados para “medir” a inflação?

Sobre esta matéria complexa, importa fazer 4 denúncias e uma proposta:

  1. Denunciar o uso abusivo do conceito. As notas inflacionadas são aquelas que não refletem o verdadeiro desempenho do aluno, mas são aumentadas artificialmente, geralmente por motivos não académicos e, no caso específico, para obter vantagem no acesso ao ensino superior. Ora, nos casos noticiados não há qualquer base científica ou normativa para sustentar que as classificações atribuídas não são adequadas ao desempenho real dos alunos. E também não há qualquer base para “impor a reposição imediata da legalidade”, podendo esta expressão ser considerada um “abuso de linguagem”.
  2. Denunciar o atestado de menoridade profissional aos professores. Nos termos da lei, quem é competente para atribuir as classificações são os professores reunidos em conselho. Sustentar publicamente que os professores atribuem classificações “desalinhadas” e “desviantes” e que não correspondem aos conhecimentos, capacidades, atitudes e competências que os alunos evidenciaram é produzir uma acusação sem fundamento.
  3. Denunciar o clima de suspeita que reiteradamente está a ser feito às escolas do “ensino particular e cooperativo”. De facto, estas escolas têm sido, de um modo geral, um oásis de pacificação e aprendizagem, e dado um contributo inestimável para a qualidade da educação em Portugal. Há algum problema em produzir notas ajustadas ao investimento que os alunos realizam? Há algum problema em atribuir 19 e 20 valores, na condição de os alunos os merecerem? Há algum problema no desenvolvimento sistemático de uma pedagogia de “curva em j” que gera, merecidamente, notas elevadas?
  4. Denunciar a incoerência normativa existente entre o Perfil dos Alunos à Saída da Escolaridade Obrigatória e as Aprendizagens Essenciais. De facto, o Perfil, nos termos da lei, deveria orientar todas as disposições curriculares e avaliativas, incluindo os exames. Mas isto não acontece. Os exames e as aprendizagens essenciais estão reféns de um afunilamento curricular, focalizados nas aprendizagens de natureza cognitiva e esquecendo tudo o que não é medível pelos exames. Estão, pois, ao serviço de um grave empobrecimento educativo. E a avaliação interna das escolas não pode compactuar com este viés educacional.

O problema que está a gerar esta ação do Ministério é obviamente o regime de acesso ao ensino superior. Já aqui se fez o inventário dos malefícios deste ordenamento que está a destruir a educação. E bastaria mudá-lo para acabar de vez com esta obsessão do controlo inflacionista. E deixar as escolas e os professores em paz. Em nome da qualidade da educação. Da excelência académica. Da justiça e da justeza. E de respeito por quem tem dado muito à educação portuguesa.

O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico

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