Rain Dogs: um retrato da vida britânica sob pobreza extrema

Uma criação de Cash Carroway, esta nova série britânica estreia-se na terça-feira na HBO Max. Falámos com Daisy May Cooper, a protagonista, e Jack Farthing, que faz do seu melhor amigo.

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Fleur Tashjian, Daisy Mae Jones e Jack Farthing dançam em Rain Dogs Simon Ridgway

Antes de escrever Skint Estate, um livro de memórias de 2019 que se tornou um best-seller, Cash Carroway sabia bem o que era pobreza. Não tinha crescido com dinheiro e era mãe solteira. Agora, a escritora britânica criou e escreveu Rain Dogs, uma nova série meio cómica, meio dramática da HBO Max dividida em oito episódios. Tem muito da própria autora: centra-se em Costello Jones, a quem é dada vida por Daisy May Cooper, uma mãe solteira pobre, que vai trabalhando na indústria do sexo como stripper e tem como objectivo de vida escrever enquanto educa a filha melhor do que a sua mãe a educou.

A série, que se estreia nesta terça-feira no serviço de streaming, foca-se nas aventuras e desventuras de Jones. A acompanhá-la está a sua filha de dez anos (Fleur Tashjian, em estreia na representação). Mas também existem os melhores amigos dela. Um deles é uma espécie de pai (não biológico) da criança, amigo de Costello dos tempos de faculdade. Chama-se Selby (Jack Farthing) e nasceu em berço de ouro, algo que não o faz propriamente feliz, e acabou de sair da prisão, tendo sido posto lá pelo seu temperamento violento. A outra é a madrinha e melhor amiga de Costello, Gloria (Ronke Adékoluẹjo), que trabalha na agência funerária do pai e tem tendência a embebedar-se e a acordar em cabinas telefónicas. Expulsas de casa, mãe e filha vão andando a saltitar de sítio em sítio, entaladas pela pobreza.

Numa mesa-redonda virtual de perguntas a jornalistas, Daisy Mae Cooper, que fala constantemente da falta de oportunidades para artistas de classe trabalhadora, contou ao PÚBLICO que se reviu nas experiências de Carroway. "Viemos de meios semelhantes, de pobreza desesperada. Nós fomos expulsos de casa, por vezes era difícil termos comida", confessou. Sentiu-se atraída pela escrita da autora. "Era tão bonita, só alguém que viveu mesmo aquilo" é que escreve assim, "de forma arenosa, verdadeira e triste": "A cena é, quando és pobre, está tudo contra ti."

Quando acabou o curso de representação, Daisy trabalhava como mulher de limpeza "por cem libras [cerca de 113 euros] ao mês" e teve "de bater 20 outras pessoas para conseguir essa merda desse trabalho". Lembra outros episódios: ser uma de 30 pessoas a concorrer por um trabalho a lavar pratos num restaurante indiano e não ficar, ter sapatos a desintegrarem-se quando veio a Londres para uma audição, colá-los com fita, e continuarem a partir-se, o que a deixou "stressada e ansiosa". "Há todas estas coisas de que as pessoas se esquecem com que os pobres têm de lidar só para serem vistas para um trabalho."

Para a actriz, Cash "escreve como as coisas são", "para ela própria", sem "tentar agradar a ninguém", de uma forma "muito zangada". "Penso que isso nunca desaparece e faz dela tão boa a escrever. Ela ainda está, porra, muito zangada. E devia estar, porra. Não se importa de ser muito ofensiva, mas ela não quer saber, porque está a escrever a verdade", resume.

Já Farthing, que vem de um meio diferente de Daisy Mae Cooper, explica que, no guião, Selby, a sua personagem, um homem gay, é descrita como alguém que "está na casa dos 30", vem de "um colégio interno" e foi "educada com Bret Easton Ellis e Godard". Na obra de Ellis, olhou para Menos Que Zero, com personagens que são muito relevantes para a "cena de Selby: perdidas, privilegiadas, a dizerem que já não sabem quem são". Em Godard, focou-se no Jean-Paul Belmondo de O Acossado: "Um espírito livre, a andar de um lado para o outro sem saber quem ou o que quer fazer, e a causar danos mas sem querer causar danos."

A relação de amor-ódio entre Costello e Selby é extrema. Há uma cena em que este, que tem o seu quê de Richard E. Grant em Whitnail e Eu, de Bruce Robinson​, põe a tocar Cruel to be kind, o clássico de Nick Lowe, numa festa, e canta-o para a amiga. Acaba em conflito emocional, verbal e depois físico. É a mesma personagem que diz coisas como "é completamente normal odiarmos as pessoas que amamos". A canção diz que é "um muito bom sinal".

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