Montepio: 2650 indemnizações da TAP

A indemnização à ex-administradora da TAP levou à demissão do ministro e do secretário de Estado e à abertura de uma investigação. A Mutualista do Montepio perde 2650 indemnizações da TAP e nada bule.

Foto
A Associação Mutualista Montepio foi fundada em 1840 PP PAULO PIMENTA

1. Ao cair do pano de 2022, a 28 de Dezembro, a coberto da bonança natalícia, a Mutualista do Montepio quase exclusiva accionista do grupo Montepio – deu luz verde ao presidente Virgílio Lima para reduzir os capitais próprios do banco e da seguradora Lusitânia em 1325 milhões de euros, por absorção dos prejuízos que acumularam. A decisão foi aprovada pela novel assembleia de representantes e não foi divulgada à comunicação social nem publicada no site da associação.

A proposta foi apresentada como inócua por não ter impacto contabilístico na Mutualista, o que não lhe retira significado: a Mutualista assume, de facto, que perdeu 1325 milhões de euros do dinheiro dos associados, o que não é coisa de lana-caprina. E é uma cambalhota do presidente Virgílio Lima, que durante anos, juntamente com Tomás Correia, zurziu e diabolizou quantos pugnaram pela verdade. As perdas agora assumidas equivalem a 40% dos compromissos com os associados, no final de 2021 (3300 milhões), e pretender que as poupanças destes não correm grave risco não é sério nem honesto.

Para melhor entendimento, comparamos 2021 com 2008 início da presidência de Tomás Correia.

PÚBLICO -
Aumentar

Do confronto, ressalta a degradação da solidez da Mutualista, expressa na situação líquida negativa, e da qualidade da garantia dada aos associados – o activo –, com depósitos e investimentos substituídos por créditos fiscais (DTA) e pela sobrevalorização das participadas – em particular o banco, que passa de 660 milhões para 1500 milhões sem critério credível, conforme abaixo se demonstra.

PÚBLICO -
Aumentar

O banco, após ter consumido 1760 milhões de euros em capital social, tem os mesmos capitais próprios; faz menos negócio; tem menos balcões; e tem mais trabalhadores.

Em conclusão, metade da garantia dos associados passou a ser virtual, e acreditamos que 2000 milhões é uma estimativa mais próxima da realidade dos prejuízos acumulados no banco e nas seguradoras do que os agora assumidos 1325 milhões de euros.

E porque o milagre da multiplicação a Deus pertence, as perdas impactam na solvabilidade da Mutualista que pode desencadear a sua extinção “em caso de dificuldade em efectivar os direitos dos associados” dependente, agora, das novas admissões para liquidar os compromissos que se vencem nos próximos cinco anos – o esquema Ponzi e a “bolha” identificada no Montepio, pelos conselheiros do Banco de Portugal.

PÚBLICO -
Aumentar

O mapa (inserto no RC da Mutualista) evidencia o défice de liquidez de 1340 milhões de euros, no curto e médio prazo, mas também assume que as responsabilidades totais estão a descoberto em 887 milhões, expondo a falência técnica.

Os aspectos acima referidos têm, nos últimos anos, sido relevados pelo auditor PwC nas suas reservas às contas, levando-o a concluir: “Estas condições indiciam que existe uma incerteza material relacionada com a continuidade (da Mutualista).” O Governo também admite estas preocupações, ao impor à Mutualista um Plano de Transição no novo Código das Associações Mutualistas, de 2018 a panaceia de Vieira da Silva, mais destinada a ganhar tempo e a encobrir do que a resolver, e cujo balanço está por fazer. Também a Deco aconselha os consumidores a manterem-se afastados dos planos mutualistas, questionando: quem toma conta deles?


2. Em 1967, John K. Galbraith concluiu que “as grandes organizações servem sobretudo quem está" (administradores), "só depois vêm as outras clientelas" (accionistas, clientes e colaboradores), e William K. Black, em 2013, teorizou: “a melhor maneira de assaltar um banco é administrá-lo”, uma certeza anunciada num país de chicos-espertos como o nosso, quando um banco é detido por uma associação popular, a presidência é comum, e é eleita num processo vulnerável à fraude.

O Montepio – Mutualista e Banco –, após a montanha-russa da gestão de Tomás Correia, regressou à dimensão de 2008, mais depauperado e mais desprestigiado. O Montepio formiga do crescimento orgânico entrou na alta-roda, foi útil a grandes famílias portuguesas atingidas pela crise financeira, ao Governo de Sócrates, ao Banco de Portugal de Constâncio e tornou-se uma coutada do PS. Fez más compras e piores vendas. Envolveu-se na lavagem de dinheiro e vários escândalos. Uns defenderam a fortuna, outros fizeram-na e cortesãos trataram da vidinha.

3. A recente indemnização paga à ex-administradora da TAP colocou, e bem, a tutela sob escrutínio, levou à demissão do ministro e do secretário de Estado, à abertura de uma investigação pela PGR e à constituição de uma comissão parlamentar de inquérito. A Mutualista é igualmente tutelada pelo Governo, acaba de assumir que perdeu 2650 indemnizações da TAP e nada bule. Um país dignifica-se quando defende as suas históricas instituições. Como em 2017, quando a política se mobilizou em protecção da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa e impediu que investisse 200 milhões no Banco Montepio reduzidos agora a metade , fazendo recuar o Governo e o prestável provedor, Edmundo Martinho.

A responsabilidade da tutela na Mutualista foi assumida e reafirmada por Mário Centeno: "O Governo tem um papel efetivo de supervisão relativamente a este grupo [Montepio], em particular quanto à Associação Mutualista”, e foi frequentemente evocada, por Tomás Correia, para credibilizar a sua gestão. Não obstante, a acção tutelar do Governo em defesa da Mutualista nunca foi escrutinada politicamente, nomeadamente a transferência para o grupo de Dois Mil e Oitenta e Quatro Milhões feita por Tomás Correia, ao arrepio dos parâmetros de prudência do Código das Associações Mutualistas. Nem mesmo quando Vieira da Silva – ministro tutelar durante dez anos –, com leviandade, confessou não ter assegurado a sua função, por o seu ministério “não ter capacidade para fiscalizar a Associação Mutualista”.

Mais de um milhão e cem mil portugueses associaram-se na Mutualista, nos últimos 25 anos, hoje uma embalagem meio vazia e com a sua continuidade comprometida ao fim de 180 anos de existência, por ter sido exaurida em meia-dúzia de anos.

O que se passou e passa na Mutualista?

É um esquema Ponzi sob os auspícios do Governo, a que a mudança de poder político pode pôr fim?

Para quando o escrutínio político da acção tutelar do Governo?

Abençoado país à beira-mar plantado.

Sugerir correcção
Ler 5 comentários