Uma rara oportunidade para reduzir a poluição luminosa

Portugal é um dos países da Europa com maiores índices de poluição luminosa: maior emissão de luz por habitante e por PIB. Sem um centímetro quadrado do território livre de poluição luminosa.

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Paulo Pimenta

Numa sociedade informada espera-se que, perante o reconhecimento dos impactos de uma tecnologia ou prática, se pondere sobre a sua utilidade. A luz artificial à noite pode ser útil, mas nem sempre é indispensável. Não há qualquer justificação para que se usem os níveis ou a quantidade de luz que se têm vindo a usar.

O fim urgente do uso dos combustíveis fósseis, por que tanto ansiamos, só será possível se vier acompanhado de uma reflexão sobre o que é supérfluo, eliminando os gastos energéticos associados. Por isso, é urgente não só travar o crescimento da luz mas, sobretudo, baixar de forma substancial os níveis actuais e, em alguns casos, eliminar as fontes de luz, únicos modos de reverter a situação.

Reduzir a luz para reduzir o consumo de energia

Mais do que as alterações climáticas, a que a humanidade tem reagido com aflitiva lentidão, a guerra na Ucrânia teve o efeito de lembrar às nossas sociedades, da pior maneira, que as últimas gerações se habituaram a dispor de energia de fácil acesso, fechando os olhos aos seus impactos, quer na sua produção quer no seu uso. Com a luz artificial à noite, graças aos crescentes alertas globalmente generalizados e sensibilização por parte de diferentes cientistas, activistas e ONGAs (Organizações Não-Governamentais de Ambiente), vários governos começaram a agir. Será, por fim, a vez de Portugal?

Cumpre recordar o que nem sempre é evidente: mais do que pelo aumento da eficiência de uma tecnologia, o consumo é sempre menor quando se reduz o uso dessa tecnologia, qualquer que seja. No limite, claro, o consumo é nulo quando se deixa de usar a tecnologia.

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Nuno Ferreira Santos

Um exemplo concreto: os recentes apelos à utilização de LED para reduzir o consumo. Ainda que a intenção seja louvável, trata-se de um erro estratégico, por duas razões principais. Primeira, o que tem acontecido na maior parte dos casos é um aumento da luz, mesmo que se esteja a reduzir o consumo.

De facto, como os LED consomem menos, em vez de se aproveitar para reduzir a luz, tem-se aproveitado para colocar muito mais luz (níveis mais elevados e mais fontes de luz). Inclusive em sítios onde antes não se usava luz. Se se ilumina mais do que antes e com mais fontes de luz não estamos, realmente, a poupar tanto quanto se podia.

Segunda razão, ao apelar à utilização de outro tipo de iluminação, ignora-se os impactos da poluição luminosa. O apelo é puramente técnico e o resultado global negativo. Pelo contrário, se o apelo fosse o de desligar o supérfluo e reduzir o resto, garantir-se-ia uma efectiva redução do consumo de energia.

A poluição luminosa não é um problema técnico

A poluição luminosa tem causas exclusivamente políticas e sociais. Depende de decisões – iluminar, não iluminar –, não da técnica. Há, claro, técnicas melhores e piores de iluminar, menos e mais poluentes. Mas não é possível a emissão de luz sem poluição luminosa, ou seja, sem impactos, sejam estes menores ou maiores. Este é um princípio físico simples e é uma ideia que tem também de ser desfeita, com pedagogia. O primeiro passo para reduzir os impactos passa pela consciencialização de que eles existem sempre e, assim, por aceitar que devemos utilizar menos luz.

A decisão, no passado, de usar LED brancos - os mais populares e mais baratos - originou impactos negativos, por serem mais poluentes. Esta tecnologia tira partido de maior percentagem de comprimentos de onda curtos - maior percentagem de azul -, com grande impacto no céu nocturno, perturbadora do sono, com consequências graves para a saúde humana mas, também, nefasta para os ecossistemas e o ciclo de vida de muitas espécies nocturnas e aves migratórias.

Os LED âmbar, apesar de terem um impacto global menor do que os brancos, são um pouco menos eficientes e, por isso ou por não estarem ainda homologados em Portugal, raramente escolhidos na iluminação pública. Este é um exemplo de decisões políticas e sociais erradas contra o ambiente, ao privilegiar apenas a “eficiência” – um mau parâmetro ambiental.

A utilização da luz âmbar e fluxos luminosos mais baixos do que os actuais, acompanhado da eliminação de fontes de luz supérfluas, permitiria um consumo global menor do que os actuais e impactos globalmente inferiores. Seria também uma maior contribuição para a diminuição das emissões de gases com efeito de estufa.

Regulamentação para o poluente “luz”

A luz artificial é um poluente atmosférico: trata-se da inserção de fotões na atmosfera. Desde 1979 que as Nações Unidas a incluem como poluente atmosférico antropogénico, referindo-a como “introdução e libertação de energia na atmosfera” e precisando que a luz é uma dessas formas de energia.

Há mais de duas décadas que os impactos da luz artificial nos ecossistemas e na saúde das populações começaram a tornar-se evidentes. Perante os impactos na fauna, flora, saúde e no céu nocturno, sustentados por investigação científica, vários foram os países, regiões ou comunidades autónomas que adoptaram legislação própria para limitar a emissão de luz artificial à noite. É o caso de França, Itália, Eslovénia, República Checa, Espanha, entre muitos outros.

Portugal não tem ainda nenhuma legislação nem organismo competente para a matéria. Decisões, no passado, como a proibição de fumar em recintos fechados, foram fundamentais para melhorar o ambiente e a saúde. Apesar das resistências sociais iniciais, como redundavam numa melhoria da qualidade de vida, acabaram por ser bem aceites. Foram decisões corajosas, baseadas em princípios científicos ou no princípio da precaução, contra interesses instalados.

Em Portugal, há anos que alertamos para a necessidade de maior sensibilidade política e social (por exemplo, Carta Aberta: Reduzir a poluição luminosa em Portugal). Recentemente, a aprovação do artigo 150.º-W “Combate à poluição luminosa” no Orçamento do Estado de 2023, que inclui a decisão de criação de uma comissão multidisciplinar para o estudo da poluição luminosa no país, o estabelecimento de limites de emissão de luz e a posterior criação de regulamentação para a luz artificial e publicidade luminosa, afigura-se como um passo significativo.

Esta pode ser a oportunidade para, finalmente, criar-se regulamentação com base científica e preocupações sociais e ambientais. Nestas incluem-se não só o direito ao descanso sem luz perturbadora, mas também a preservação da biodiversidade e dos ecossistemas e o direito à contemplação de um firmamento estrelado, devolvendo o céu nocturno aos espaços naturais e mesmo às cidades.

Os céus estrelados são também bons indicadores ambientais, céus que todas as gerações podem agora aspirar a ter, um pouco por todo o lado. Mesmo nas zonas recônditas de Portugal rural desertificado, onde aí se exploram locais turísticos de atracção, os céus poderão ser, de novo, melhores do que os de hoje. Esperemos que as medidas sejas cumpridas e bem-sucedidas.

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